É FUNDAMENTAL REFLETIR SOBRE O IMPACTO QUE A SAÚDE ANIMAL PODE TER NA SAÚDE HUMANA E DE QUE MODO ESTAS PODEM COEXISTIR ENTRE SI. A SOLUÇÃO PASSA PELA MUDANÇA DE PARADIGMA E PELA ADOÇÃO DA ABORDAGEM “ONE HEALTH”.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Luís Montenegro. Diretor clínico do Hospital Veterinário Montenegro

 

One Health não é um conceito recente. A Organização Mundial de Saúde já o defende há quase três décadas. Contudo, este nunca foi levado a sério pelos decisores políticos a nível mundial.

Ainda hoje é um conceito que facilmente todos acham adequado, porém é muito romanceado e, na prática, ainda não se impõe como uma política séria a seguir.

Neste momento, estamos a começar a falar em “pós-covid “, mas esta designação deverá ser utilizada com alguma reserva, pois ainda há a ter em conta que, para além de outras variantes, novos focos irão surgir, aliado a muitos medos, equívocos e receios.

Os quadros respiratórios têm maior propensão para surgirem no inverno, fruto das baixas temperaturas e teores de humidade. Quando surgirem, irão provocar confusões e, no limite, pânico, pois é habitual verificaram-se picos de gripe no inverno, que nos piores anos muito complicam os sistemas de saúde. Assim sendo, o que vamos todos deduzir? É covid? O que fazer?

MOMENTO PROPÍCIO PARA IMPLEMENTAR UMA SÓ SAÚDE

No último ano e meio, houve um esforço para implementar políticas em regime de SOS para que o Serviço Nacional de Saúde tivesse meios para conseguir gerir o fenómeno pandémico, embora não tenham deixado de se verificar alguns aproveitamentos de benefício setorial.
Mas agora, falando deste período denominado de pós-pandemia, não será o momento para que a política de saúde pública passe por uma filosofia de “uma só saúde”?

Se continuarmos com uma atitude egoísta da espécie humana, que olha apenas para a sua própria saúde, seguramente que mais vírus emergentes surgirão e o problema será recorrente.

Haverá melhor altura do que esta, tendo ainda em conta que tudo caminha no sentido da descarbonização e da valorização de energias verdes e renováveis?

É evidente que se impõe uma grande reflexão e esta tem forçosamente de assentar nos vários saberes: ambiental, animal e humano. Creio que fervilha um ambiente propício. Urge criar um futuro diferente e, em boa verdade, tudo se interliga: quando falamos em descarbonização e alterações climáticas, o conceito ONE HEALTH encaixa-se perfeitamente.

Temos de sensibilizar a sociedade, através dos media, para haja um movimento social que exija aos nossos políticos medidas interligando a saúde humana e animal, num contexto de proteção ambiental.

PROTEGER OS ANTIBIÓTICOS É PROTEGER AS ESPÉCIES

Nas últimas décadas, cada vez têm surgido mais vírus a fazer o salto interespécies e, por isso, tantas zoonoses nos afetaram, desde a SIDA à gripe A, passando por muitas outras que afetaram mais a Ásia.

Se nada fizermos, a tendência será para haver um crescente aumento de zoonoses, com possibilidade de se gerarem pandemias até mais nefastas, tendo em conta os hábitos que cada vez mais facilitam as viagens por todo o planeta e que potencializam a rápida propagação destas enfermidades.

Por outro lado, o conceito One Health muito contribui para a proteção da molécula antibiótico, que que deve ser considerada como património da Humanidade. Se nada for feito, ou seja, se o seu uso não for regrado e justificado, os antibióticos vão perder eficácia, deixando de haver efetividade no tratamento das doenças infeciosas bacterianas. Desta forma, necessitamos de estabelecer critérios adequados para o tratamento de pessoas e animais.

Precisamos também proteger o pouco que ainda existe de vida selvagem – somente cerca de 5% da biomassa do Planeta – e, para que isso aconteça, não podemos continuar a destruir os habitats animais, deixando assim a possibilidade de, pelo menos, estancar a destruição de tudo o que está à nossa volta.

 

Destaque

O que é uma zoonose?

Uma zoonose é uma doença infeciosa transmissível entre animais e humanos. De acordo com um relatório da WWF, todos os anos surgem entre três a quatro novas doenças zoonóticas, sendo que algumas são muito graves, como é o caso do VIH/sida e da covid-19.

O risco de surgir uma nova e ainda mais grave é mais alto do que nunca, com o potencial de voltar a causar caos na saúde, nas economias e na segurança global, como já testemunhámos com a disseminação do vírus SARS-CoV-2.

 

Destaque

Especialistas defendem necessidade de cuidar da saúde animal para proteger a saúde humana

A importância de cuidar da saúde animal para garantir a saúde humana e evitar futuras pandemias, através da adoção da abordagem “One Health” (Uma Só Saúde), foi o foco do XVII Congresso Internacional Veterinário, que reuniu recentemente cerca de 2000 profissionais de saúde, em Santa Maria da Feira.

Grande parte das doenças que os animais de companhia transmitem às pessoas podem ser evitadas através de regras básicas de higiene e segurança, que deverão ser implementadas sempre que os animais coabitem com humanos. A prevenção dessa transmissão alicerça-se através de medidas e políticas “One Health” (Uma Só Saúde), que deverão envolver um trabalho conjunto de médicos e médicos veterinários.

Esta visão, já praticada em vários países do mundo, coloca os três setores da saúde – humana, animal e ambiental – em contacto entre si, com o propósito de garantir os seguintes objetivos: melhorar a segurança dos alimentos de origem animal dirigidos ao consumo humano; melhorar a vigilância, o controlo, a prevenção e a avaliação do risco associado à disseminação de doenças infeciosas transmissíveis dos animais para os humanos; e implementar medidas que visem a redução da aplicação de antibióticos em animais, para evitar problemas graves de resistência a esses fármacos em humanos.

Luís Montenegro, diretor clínico do Hospital Veterinário Montenegro e presidente do congresso, apelou às entidades políticas e autoridades de saúde nacionais para a urgência de se adotar o conceito “One Health” no nosso país, para otimizar a saúde pública. “Em vez de se observar uma multiplicação de recursos e de práticas, passa a observar-se uma única escola de saúde – um espaço coabitado por várias medicinas – construída com pilares interdisciplinares, otimizadores de recursos, inclusivos e cooperativos. Esta abordagem depende de uma reorganização das instituições e dos serviços que devem trabalhar para o mesmo fim”, defendeu.

Para obter intervenções bem-sucedidas, é necessário a cooperação de profissionais de saúde humana (médicos, enfermeiros, profissionais de saúde pública, epidemiologistas), de saúde animal (veterinários, trabalhadores agrícolas), do meio ambiente (ecologistas, especialistas em vida selvagem) e de outras áreas de especialização.

“Um espaço coabitado por várias medicinas traz inúmeras vantagens, mas para alcançá-las, precisamos de instituir uma comunicação mais assertiva entre as partes envolvidas”, sublinha o especialista, que ambiciona ser pioneiro na introdução desta abordagem de saúde em Portugal.

Artigo publicado na edição de dezembro 2021 (nº 322)