Geralmente, assume-se que o cérebro comprime informações para processar, de forma eficiente, o fluxo contínuo de dados sensoriais. Agora, os cientistas descobriram que o cérebro também poderá estar a utilizar este mesmo processo de compressão para as funções cognitivas.
Se viveu a sua infância durante os anos 80 ou é fã de videojogos retro, certamente deve lembrar-se do Frogger. E como era desafiante. Para ganhar o jogo, primeiro tínhamos de sobreviver a uma torrente de tráfego intenso, apenas para depois ter de escapar com vida ziguezagueando por entre troncos de madeira que vinham na nossa direção em alta velocidade. Como é que o cérebro sabe no que se deve focar no meio de toda aquela confusão?
Um estudo publicado a 6 de junho último na revista científica Nature Neuroscience apresenta uma possível resposta para esta questão: compressão de dados. “Ao comprimir as representações do mundo externo estamos como que a eliminar toda a informação irrelevante e a adotar uma ‘visão de túnel’, temporária, sobre a situação”, disse um dos autores séniores do estudo, Christian Machens, investigador principal do laboratório de Neurociência Teórica da Fundação Champalimaud, em Portugal.
“A ideia de que o cérebro maximiza o desempenho enquanto minimiza o custo usando a compressão de dados é comummente apresentada em estudos de processamento sensorial. No entanto, nunca foi realmente analisada em funções cognitivas”, disse o autor sénior Joe Paton, diretor do Programa de Neurociência da Champalimaud Research. “Usando uma combinação de técnicas experimentais e computacionais, demonstrámos que esse mesmo princípio se estende a uma gama muito mais ampla de funções, do que anteriormente se pensava”.
Nas suas experiências, os investigadores usaram um paradigma de tempo. Em cada experiência, os ratinhos tinham que determinar se dois sons eram emitidos num intervalo maior ou menor do que 1,5 segundos. Enquanto isso, os investigadores registaram a atividade dos neurónios dopaminérgicos no seu cérebro, enquanto os ratinhos realizavam a tarefa.
“É sabido que os neurónios dopaminérgicos desempenham um papel fundamental na aprendizagem do valor das ações”, explicou Machens. “Então, se o ratinho estima erradamente a duração do intervalo num determinado teste, a atividade desses neurónios produz um ‘erro de previsão’ que vai depois ajudar a melhorar o desempenho em testes futuros”.
Asma Motiwala, a primeira autora do estudo, desenvolveu vários modelos computacionais de aprendizagem por reforço e testou qual seria o melhor para registar não apenas a atividade dos neurónios mas também o comportamento dos animais. Os modelos partilhavam alguns princípios comuns, mas diferiam na forma como representavam as informações que poderiam ser relevantes para a execução da tarefa.
A equipa de investigadores descobriu que apenas os modelos que representavam a tarefa de forma comprimida conseguiam explicar os dados. “O cérebro parece eliminar todas as informações irrelevantes. Curiosamente, parece também descartar algumas informações relevantes, mas não o suficiente para afetar, de forma considerável, a recompensa que o ratinho efetivamente recebe. Ele sabe claramente como ter sucesso neste jogo”, disse Machens.
Curiosamente, o tipo de informação representada não era apenas sobre as variáveis da tarefa em si. Registou também as próprias ações do ratinho. “Trabalhos anteriores concentraram-se nas características do ambiente, independentemente do comportamento do indivíduo. Mas agora descobrimos que apenas representações comprimidas, que dependem das ações do animal, explicam os dados na sua totalidade. De facto, o nosso estudo é o primeiro a mostrar que a forma como as representações do mundo externo são aprendidas, especialmente em circunstâncias mais exigentes como é o caso desta tarefa, podem impactar de maneiras pouco usuais a forma como os animais escolhem agir”, explicou Motiwala.
Segundo os autores, esta descoberta tem amplas implicações para a Neurociência e também para a Inteligência Artificial. “Embora o cérebro tenha claramente evoluído para processar informações com eficiência, os algoritmos de IA geralmente resolvem problemas mediante abordagens de “força bruta”: utilizando muitos dados e muitos parâmetros. O nosso trabalho fornece um conjunto de princípios com potencial para orientar estudos futuros sobre como as representações internas do mundo podem apoiar o comportamento inteligente no contexto da biologia e da IA”, concluiu Paton.