Programas de rastreio com vista à deteção precoce do cancro do pulmão parecem ser o grande paradigma da melhoria da sobrevida destes doentes, com aumento das terapêuticas potencialmente curativas.

Artigo da responsabilidade da Dra. Bárbara Parente. Coordenadora da Unidade Cancro do Pulmão Hospital CUF Porto, coordenadora do Serviço de Oncologia Hospital CUF Porto, Direção Clínica CUF Instituto Oncologia

 

O cancro do pulmão continua a ser a principal causa de morte por cancro em Portugal, apresentando-se em terceiro lugar em incidência global, com uma tendência que não para de crescer. É também o cancro que mais mortes causa na Europa. Apresenta uma taxa de sobrevivência global muito baixa, sendo a probabilidade de sobreviver 5 anos após diagnóstico, de apenas 15 por cento. Em Portugal, foram diagnosticados 5415 casos em 2020, tendo-se registado 4797 mortes por esta causa.

Tendo em conta que cerca de 80% se encontram em estadios não cirúrgicos, rapidamente nos apercebemos da dificuldade em efetuar um diagnóstico atempado e precoce que possa conduzir a terapêuticas com intuito curativo.

RASTREIO É A ESTRATÉGIA MAIS EFICIENTE

Se é verdade que não é fácil o diagnóstico precoce, porque o tumor cursa muitas vezes até uma fase tardia sem sintomas, não é menos verdade que os rastreios epidemiológicos em massa ainda não estão instituídos na rotina, como noutros tumores, nomeadamente mama, útero e colorretal.

Sem dúvida que a principal causa do cancro do pulmão é o tabaco, mas o cancro do pulmão também surge num grupo muito importante de pessoas que nunca fumaram ou em pequenos fumadores, e haverá certamente outras razões para isto acontecer. O rastreio é a estratégia mais eficiente para o controlo do cancro, para além da prevenção.

Foram realizados vários ensaios clínicos desde a década de 70 para determinar a utilidade das radiografias de tórax, com ou sem citologia de expetoração, como uma ferramenta para o diagnóstico de cancro do pulmão. Infelizmente, todos os ensaios clínicos falharam, mostrando que estes meios eram inúteis.

TOMOGRAFIA COMPUTORIZADA DE BAIXA DOSE

Graças ao desenvolvimento, na década de 90, da tomografia computorizada de baixa dose de radiação, dois grandes ensaios clínicos randomizados – National Lung Screening Trial [NLST] e Nederlands–Leuvens Longkanker Screenings Onderzoek [NELSON] – foram iniciados no início dos anos 2000. Foi então finalmente comprovado que a tomografia computorizada de baixa dose pode reduzir substancialmente a mortalidade por cancro do pulmão em até 20%, principalmente porque o rastreio aumentou os diagnósticos da doença em estádios precoces de 24% para cerca de 60 por cento.

Os dados da vida real confirmam estas evidências, não existindo dúvidas de que o grande paradigma da melhoria da sobrevida se deve à deteção precoce dos doentes com cancro do pulmão, com aumento das terapêuticas cirúrgicas que ainda são até aos dias de hoje as potencialmente curativas.

RASTREIO EM NÃO FUMADORES

Embora o tabaco seja o agente mais importante e conhecido no cancro do pulmão, muitos tumores do pulmão ocorrem em doentes que não têm histórico de tabagismo e esta incidência em não fumadores está a aumentar.

O verdadeiro impacto global dos não fumadores também não é claro, porque o registo dos hábitos tabágicos é deficitário na maioria das bases de dados de registo de cancro do pulmão.

Conclui-se, no entanto, que o cancro no pulmão de não fumadores seria a sétima principal causa de mortalidade por cancro em todo o mundo e que, pelo menos, um terço dos doentes com cancro do pulmão não tinha histórico de tabagismo.

Se o rastreio cancro do pulmão se concentrar apenas em grandes fumadores, existirão mais de 30% de doentes com cancro do pulmão que não serão rastreados. Aumentar o rastreio para cobrir os que nunca fumaram parece-nos importante para melhorar o controlo desta doença.

OUTROS FATORES DE RISCO

O cancro do pulmão pode ser causado por outros fatores de risco além de fumar cigarros, cachimbos ou charutos. De um modo geral, tabagismo passivo, vapor de óleo de cozinha, uso de carvão em ambientes fechados, terapêuticas de reposição hormonal, exposição a redom, amianto ou metais pesados, história familiar e poluição do ar têm sido associados à chamada “carcinogénese pulmonar” em não fumadores.

Discute-se hoje o valor da poluição atmosférica, nomeadamente das pequenas partículas (dimensões menores a 2,5 micras) no desencadear de um defeito pré-existente da mutação do gene EGFR e que, sem este estímulo, poderia nunca vir a manifestar-se a doença.

Os cancros do pulmão em fumadores e não fumadores parecem ser duas doenças diferentes. A patogénese molecular, a suscetibilidade genética e os fatores de risco ambientais são diferentes – e os programas de controlo podem ser também diferentes.

PROJETOS DE RASTREIO

O rastreio do cancro do pulmão em pessoas que nunca fumaram ainda não é recomendado com base no modelo de previsão de risco baseado nos dados da população ocidental, provavelmente porque os possíveis danos do rastreio superam o possível benefício da descoberta precoce do cancro de pulmão nesse grupo.

Atualmente existem mais de 130 projetos de rastreio do cancro do pulmão ativos a nível mundial, 49 dos quais são a nível europeu, em países como a Espanha, França, Itália e Alemanha. O Reino Unido tem demonstrado um forte compromisso em reduzir a mortalidade do cancro do pulmão através do rastreio. O estudo UKLS, iniciado em 2011, demonstrou um aumento da deteção do cancro do pulmão em estádios precoces, tendo sido realizado tratamento com intuito curativo em mais de 80% dos doentes. Em 2017, foi iniciada a implementação de projetos-piloto em Manchester.

Outros países têm vindo a realizar um compromisso para a implementação do rastreio do cancro do pulmão a nível nacional, tendo a Polónia, Croácia e República Checa já iniciado a implementação.

URGÊNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO

Existem grupos de risco já bem estabelecidos, para efetuar o rastreio, como os grandes fumadores e ex-fumadores há menos de 15 anos com idades compreendidas entre os 45/50 anos e os 75 anos, bem como doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica, fibrose pulmonar, exposição ambiental/ocupacional, radioterapia prévia e risco genético ou familiar.

Em Portugal, ainda não existem ações concretas para a operacionalização do rastreio de cancro do pulmão, apesar de várias entidades e organizações terem vindo a realizar esforços a nível científico, social e político, para demonstrar a urgência da implementação.

O atual Ministro da Saúde anunciou em 2022 a implementação, durante o ano de 2023, de um projeto nacional, estando o rastreio do cancro do pulmão a nível nacional entre os objetivos europeus e nacionais para o próximo triénio.

Com base na experiência de outros países e nas recomendações da Comissão Europeia, é necessário a preparação gradual do sistema de saúde e implementação de um programa-piloto, para gradualmente se chegar a um programa de nível nacional, tal como acontece noutros países. Este projeto, que pode no início parecer sobrecarregar os serviços de saúde, será largamente compensado, evitando que estes doentes, numa fase mais tardia da doença, tenham sofrimento, perda de qualidade de vida e custos elevados para a sociedade, com terapêuticas muito mais onerosas (e não curativas), do que uma cirurgia, por exemplo, numa fase precoce da doença.

Enquanto esta situação não é uma realidade em Portugal, cabe a todos os profissionais de saúde — e até ao próprio doente esclarecido — orientar o acesso, em situações de risco, a consultas de diagnóstico precoce.

PAPEL DO DOENTE

Além da prevenção, também os doentes que apresentem sintomas devem procurar o seu médico. É importante que o intervalo de tempo entre a apresentação dos sintomas, passando pelo diagnóstico, até ao encaminhamento para um centro de patologia respiratória, seja reduzido. Esta questão é preocupante, pois os estudos efetuados, quer em Portugal quer noutros países, mostram que os tempos de espera têm atrasos mais longos na fase inicial do processo do que os observados na fase de diagnóstico e envio para centros de referência. Uma das principais razões refere-se aos sintomas que são comuns a outras patologias respiratórias na apresentação inicial e que pode confundir o diagnóstico.

O doente de hoje tende a ser mais proativo e a procurar o médico assistente aos primeiros sintomas ou a dirigir-se a um centro de referenciação pulmonar. Atualmente existe informação fidedigna disponível nas redes sociais e nos meios de comunicação, que podem esclarecer a pessoa e levá-la a procurar ajuda na área da prevenção, se tiver fatores de risco, ou na procura do diagnóstico precoce, se tiver sinais e sintomas.

 

Pulmonale apela a que se implemente um rastreio populacional

“Eu quero o poder do rastreio! Eu quero mudar o rumo do cancro do pulmão!” é o mote da mais recente campanha de sensibilização da Pulmonale – Associação Portuguesa de Luta Contra o Cancro do Pulmão.

Disponível a partir de 25 de outubro, e protagonizada pelo ator Diogo Faria e pela apresentadora Inês Carranca, a campanha antecipa o mês de sensibilização do Cancro do Pulmão (novembro), lembrando que a deteção precoce desta doença, através do rastreio, é a chave para que os doentes tenham mais tempo e mais qualidade de vida.

“Queremos caminhar para um novo paradigma do cancro do pulmão em Portugal”, começa por referir Isabel Magalhães, presidente da Pulmonale. ”Transmitir à população que o rastreio populacional ainda não está implementado no nosso país e que, em conjunto, podemos unir esforços para que se torne uma realidade”, acrescenta.

O objetivo é chegar aos decisores políticos, aos líderes de opinião, a profissionais de saúde e ao público em geral, através dos mais variados suportes, da TV ao digital.

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