O cancro da cabeça e do pescoço constitui um conjunto de tumores malignos do aparelho aerodigestivo superior, incluindo a cavidade oral, faringe e laringe, mas também cavidade nasal, seios perinasais e glândulas salivares (em algumas estatísticas considera-se também a glândula tiroide).

Artigo da responsabilidade da Dra. Cláudia Vieira. Membro da Direção do Grupo de Estudos de Cancro da Cabeça e Pescoço. Médica de Oncologia Médica do IPO Porto e da ATRYS Portugal.

 

O tipo histológico mais frequente é o carcinoma epidermoide ou espinocelular ou pavimento-celular, responsável por cerca de 90% dos casos. É o sétimo cancro mais frequente a nível mundial, com uma incidência anual de aproximadamente 700 mil novos casos e uma taxa de mortalidade estimada em 350 mil (2018).

Na Europa, entre 2000 e 2007, as taxas de incidência bruta anuais foram de 4,6/100.000 para o carcinoma espinocelular da laringe 3,5/100.000 para o da cavidade oral, 3,3/100.000 para o da orofaringe e 1,3/100.000 para o da hipofaringe, correspondendo a aproximadamente 90.000 novos casos por ano. A sobrevivência aos cinco anos foi de 61%, 49%, 41% e 25% para o cancro da laringe, cavidade oral, orofaringe, hipofaringe, respetivamente.

Em Portugal, estima-se cerca de 2.500 a 3.000 novos casos anuais (GLOBOCAN 2022) e cerca de três mortes por dia devido a este tipo de cancro.

Importância do diagnóstico precoce

Quando detetado em fases iniciais, este cancro é curável em 80 a 90% dos casos. Contudo, cerca de 60% dos doentes em Portugal e na Europa chegam aos serviços de saúde já em estádio avançado, o que reduz drasticamente a taxa de sobrevivência para apenas 40% a 50% e obriga a tratamentos mais prolongados e mutilantes. Esta realidade demonstra que o diagnóstico precoce não é apenas desejável, mas determinante para a sobrevivência e qualidade de vida. Segundo a OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), em Portugal, mais de metade dos tumores da cabeça e pescoço continuam a ser diagnosticados em fases localmente avançadas – o que reduz as taxas de cura em comparação com diagnósticos precoces

Sintomas de alerta

Os sinais variam consoante a localização anatómica, mas incluem dor ou dificuldade em engolir, rouquidão persistente, úlceras na boca que não cicatrizam, manchas esbranquiçadas ou avermelhadas na cavidade oral, língua dolorida e tumefações cervicais, entre outros.

A auto-observação da cavidade oral é um hábito simples e importante para a prevenção de várias doenças. Consiste em examinar regularmente a boca, gengivas, língua, bochechas e lábios diante de um espelho, em ambiente bem iluminado. Durante esse processo, é fundamental observar mudanças na cor, feridas que não cicatrizam, sangramentos, manchas brancas ou avermelhadas e alterações no tamanho ou na forma de estruturas da boca. A prática ajuda a identificar precocemente sinais de infeções, problemas gengivais e até lesões suspeitas de cancro oral.

Quando algo incomum é percebido ou segundo o conceito “1 for 3”, sempre que qualquer destes sintomas ou sinais persistir durante mais de três semanas, sem resolução com o reforço da higiene, deve motivar a observação urgente por um profissional de saúde para avaliação adequada.

Fatores de risco e o papel do HPV

O consumo de tabaco e álcool são os principais fatores de risco. Fumadores apresentam até 15 vezes mais probabilidade de desenvolver a doença, e a ingestão diária de álcool aumenta significativamente essa predisposição. A infeção por vírus do papiloma humano (HPV) é, contudo, um fator emergente. Estima-se que este vírus seja responsável por 18,5% a 90% dos casos de cancro da orofaringe, sobretudo da base da língua e das amígdalas. A incidência associada ao HPV tem aumentado rapidamente, em particular entre populações mais jovens. A má higiene oral, geralmente associada a outros fatores causadores de inflamação gengival e infeções (como próteses mal higienizadas e/ ou mal ajustadas), pode contribuir para o desenvolvimento de cancro em grupos mais suscetíveis como os idosos.

Tratamento e impacto na qualidade de vida

O tratamento é multidisciplinar e pode incluir cirurgia, radioterapia e terapêuticas sistémicas como quimioterapia, agentes biológicos e imunoterapia. Quando realizado em fases precoces, possibilita taxas de cura elevadas, com menor impacto funcional. Nos casos avançados, apesar dos avanços recentes, a agressividade dos tratamentos e as sequelas frequentes comprometem de forma significativa a qualidade de vida dos doentes.

Sensibilização e literacia em saúde

Apesar dos esforços desenvolvidos nos últimos anos, a literacia sobre este cancro continua baixa, tanto na população em geral como entre alguns profissionais de saúde, o que contribui para atrasos nos diagnósticos e referenciações. É fundamental reforçar a informação, estimular a cessação tabágica e alcoólica, prevenir a infeção por HPV e promover a atenção aos sinais de alarme.

Iniciativas como a campanha Make Sense, uma iniciativa europeia, dinamizada em Portugal pelo Grupo de Estudos de Cancro da Cabeça e Pescoço, que decorre durante o mês de setembro e procura precisamente sensibilizar a população e os profissionais de saúde para a importância do diagnóstico precoce, promover rastreios e alertar para os sinais da doença. Porque cada semana conta e cada vida pode ser salva, transformar informação em ação é o maior gesto de prevenção que podemos adotar.