A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória crónica da pele que resulta de interação de fatores genéticos, ambientais e imunológicos. É uma patologia comum, que surge normalmente durante a infância, embora também se possa manifestar em adultos (estima-se que afete 10 a 30% das crianças e 2 a 10% dos adultos a nível mundial).

Artigo da responsabilidade da Dra. Rita Bouceiro Mendes. Médica especialista de Dermatovenereologia. Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar de Leiria

 

O prurido (comichão) é um sintoma-chave e aquele que mais interfere na qualidade de vida. Para além do prurido, a DA caracteriza-se pela presença de lesões cutâneas como manchas e placas vermelhas, algumas com descamação e por vezes escoriações, fissuras e exsudação.

A pele é um órgão importante que funciona principalmente como barreira. Na DA, a barreira cutânea está debilitada existindo uma maior reatividade a estímulos ambientais. Há aumento da produção de imunoglobulina E, um anticorpo com um papel importante em doenças atópicas, pelo que se associa a outras doenças alérgicas como asma, rinite alérgica e alergias alimentares.

Diferentes graus de gravidade

A DA pode ter diferentes graus de gravidade de acordo com o tipo e extensão das lesões. A forma moderada a grave condiciona frequentemente um elevado grau de desconforto físico e emocional. Resulta em mal-estar, insónias, cansaço e baixo rendimento escolar ou absentismo laboral, exclusão social, ansiedade e angústia.

Por vezes, o prurido é tão forte e debilitante que condiciona e vicia totalmente o dia a dia (do doente e da sua família) – tudo gira à sua volta. São vários os doentes que me dizem: “Já só quero alguma coisa que me tire esta comichão. Não aguento mais!”. E apesar de não ser a minha pele, aquela tela que é a pele do meu doente, faz-me por momentos mergulhar nela. Numa pele vermelha e quente, com escoriações e feridas – feridas causadas por um prurido incontrolável que os faz literalmente arrancar a própria pele.

Apesar de cada doente ser diferente, de cada um ter uma mente e de “cada mente ser um universo infinito”, é fácil compreender a angústia e o sofrimento dos doentes com DA grave. A pele deles conta-nos a história. Mesmo que a mente se feche em silêncio. De facto, o conhecimento sobre a doença e as suas repercussões ajuda a compreender melhor a realidade destas pessoas e assim a apoiar e aliviar parte da dor que possam sentir.

Dermatite atópica tem tratamento

Embora não tenha cura, a DA tem tratamento. As formas ligeiras normalmente são facilmente controladas com cuidados gerais da pele (como utilização de emolientes – diminui a secura da pele e o número de agudizações) e anti-inflamatórios tópicos (corticosteroides e/ou inibidores da calcineurina) para controlar as crises.

É o tratamento das formas moderada a grave que, por vezes, constitui um desafio. Até há relativamente pouco tempo, dispúnhamos essencialmente dos imunossupressores sistémicos convencionais (que não são isentos de efeitos adversos) e da fototerapia (em que se utiliza, de forma controlada, radiação ultravioleta) – terapêuticas muitas vezes insuficientes.

Felizmente, graças ao aumento do conhecimento científico nesta área, surgiram novas terapêuticas, dirigidas a alvos específicos com um papel-chave na inflamação da DA. Estas novas terapêuticas, para além de elevada eficácia, têm-se revelado muito seguras. Incluem-se neste leque duas moléculas biológicas (dupilumab, um anticorpo cujo alvo são os recetores da IL-4 e da IL-13; e o tralocinumab, também um anticorpo que atua especificamente na IL-13) e três inibidores das JAK que são moléculas com um papel importante na fisiopatologia da doença (são eles o baricitinib, upadacitinib e abrocitinib). Estão ainda em desenvolvimento novos fármacos, como o delgocitinib, um inibidor tópico das JAK, pelo que o futuro trará ainda mais opções.

Acessibilidade ao tratamento

A existência de novos fármacos não é, contudo, suficiente. É preciso que estes fármacos estejam acessíveis aos doentes que precisam deles. Para tal, é essencial um diagnóstico precoce e um correto encaminhamento dos doentes à Dermatologia.

Para além da referenciação, é importante haver resposta por parte dos Serviços de Dermatologia. Serviços esses que estão sobrecarregados com um elevado número de pedidos e poucos profissionais. Uma potencial alternativa, na verdade acessível também apenas a alguns, seria a disponibilização dos fármacos através do sector privado – tal não é, contudo, possível dada a inexistência de um regime de prescrição e de comparticipação.

Assim, apesar de existirem tratamentos eficazes, a equidade no que respeita ao seu acesso pode não se verificar, devendo este assunto ser endereçado e regulado. Da minha parte, compete-me e esforço-me por fazer chegar a cada um dos meus doentes o melhor tratamento disponível, tendo em conta a sua situação clínica independentemente dos constrangimentos. Afinal, a DA é uma “doença da pele”, mas vai muito para além disso, podendo ser impactante no dia a dia e causar marcas mais fundas e avassaladoras do que as que vemos na pele.