Os tratamentos atuais fazem toda a diferença na vida de quem tem doença de Parkinson, permitindo reduzir durante muito tempo as limitações causadas pela mesma.
Artigo da responsabilidade do Prof. Dr. Paulo Bugalho. Neurologista. Assistente Hospitalar Graduado, ULSLO. Professor Auxiliar Convidado da NOVA Medical School. MD, MSci, PhD
A doença de Parkinson foi descrita de forma sistemática no ano de 1817, num artigo escrito por James Parkinson, o médico inglês que haveria de dar nome à doença. Já nessa altura ficaram bem assinaladas a idade habitual de aparecimento da doença (sétima década de vida) e os sintomas que hoje permitem ao médico identificá-la: a lentidão de movimentos (que reduz a expressividade da face, dificulta gestos como levantar-se da cadeira ou virar-se na cama e interferem em tarefas manuais, como colocar maquilhagem, fazer a barba ou escrever); a rigidez muscular (correspondendo à sensação de sentir os músculos presos); o tremor (sobretudo das mãos, quando elas estão em repouso); a dificuldade na marcha (com redução do tamanho e velocidade dos passos e a tendência para dobrar o corpo para a frente).
DÉFICE DE DOPAMINA
Seria só no século XX que ficaríamos a saber que uma causa importante para as dificuldades na mobilidade é a falta de um neurotransmissor chamado dopamina, reduzido por haver um processo de morte progressiva de células numa zona específica do cérebro (a substância nigra) que é responsável por produzi-lo.
Substituir esse neurotransmissor com medicamentos próprios, que reproduzem a sua função, foi desde cedo – e continua a ser – a principal estratégia par reduzir a dificuldade de movimento na doença de Parkinson.
LUA-DE-MEL TERAPÊUTICA E AGRAVAMENTO
Nas fases iniciais da doença, o principal objetivo é normalizar o tremor, a lentidão de movimentos e a rigidez muscular, e isso é atingido com a utilização de comprimidos de levodopa (substância que se transforma em dopamina no interior do cérebro) ou de agonistas dopaminérgicos (medicamentos que reproduzem o efeito da levodopa).
Estes medicamentos melhoram significativamente os sintomas do doente, permitindo-lhe uma vida normal, com manutenção das atividades profissionais e quotidianas, durante vários anos. Este período, chamado de “lua-de-mel terapêutica”, é variável de doente para doente.
Contudo, a medicação de que hoje dispomos não permite ainda interromper o processo que destrói as células cerebrais e reduz os níveis de dopamina no cérebro. Isso determina agravamento dos sintomas, obrigando a adaptar as doses e esquemas terapêuticos que foram usados de início, porque o efeito dos comprimidos passa a ser mais curto, sendo necessário aumentar o número de tomas e usar fármacos que permitem estender o efeito dos medicamentos com ação dopaminérgica.
São também úteis as formulações de ação quase instantânea, injetáveis na pele, sob a forma de caneta (semelhantes às da insulina) ou absorvidos diretamente na boca, permitindo a entrada mais rápida do medicamento no sistema sanguíneo.
FLUTUAÇÕES MOTORAS
Em alguns doentes e por algum tempo, estas manobras, feitas pelo neurologista no gabinete da consulta, são suficientes para controlar a doença e permitir o melhor funcionamento possível durante o dia a dia.
No entanto, não é incomum que nas fases mais avançadas da doença o doente desenvolva aquilo a que os neurologistas chamam flutuações motoras: alternância entre momentos, ao longo do dia, em que o doente está perfeitamente bem, com movimentos normalizados, ou até com movimentos a mais (as chamadas discinésias), e outros em que a medicação parece subitamente deixar de fazer efeito e o doente vê regressar os sintomas em força. Nestas fases, torna-se necessário recorrer a opções terapêuticas especificamente desenhadas para as fases avançadas da doença de Parkinson.
ESTIMULAÇÃO CEREBRAL PROFUNDA
Todos os procedimentos usados nas fases avançadas da doença têm como base estender o efeito benéfico dos tratamentos sobre as dificuldades de mobilidade, de modo a eliminar ou reduzir os momentos em que os sintomas interferem significativamente com a realização das normais atividades do dia a dia.
Uma das opções mais desenvolvidas é a cirurgia da estimulação cerebral profunda. Nesta cirurgia, que é feita com o doente acordado, na maior parte dos casos, o neurocirurgião insere filamentos elétricos muito finos (elétrodos) no interior do cérebro, precisamente nas estruturas cerebrais (núcleos) que deixaram de receber a ação ativadora da dopamina. Estimulando eletricamente estes núcleos, podemos obter efeito semelhante ao dos medicamentos, mas de uma forma contínua, evitando a flutuação no estado motor do doente e permitindo estabilidade no efeito terapêutico, com recuperação da qualidade de vida. Estes elétrodos estão ligados, por baixo da pele, a um estimulador colocado junto à clavícula, semelhante a um pacemaker, cujos parâmetros podem ser alterados do exterior, pelo neurologista.
Muito recentemente, passou a ser possível ajustar o aparelho de modo que ele possa, autonomamente, captar a atividade dos núcleos que estimula, extrapolando quanto ao estado motor do doente e podendo alterar, sem necessidade de intervenção do médico, os parâmetros de estimulação mais corretos para as necessidades do doente a cada momento.
A cirurgia de estimulação cerebral profunda está indicada apenas para tratamento destas fases mais avançadas da doença e não tem utilidade em doentes com alterações graves do equilíbrio, demência ou muito idosos.
Leia o artigo completo na edição de junho 2025 (nº 361)
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