Não obstante a evolução e a tecnologia, todos nós continuamos a fazer parte da Natureza. Conheça as descobertas de psicólogos e antropólogos sobre a relação do ser humano com os elementos naturais.
Por vezes, despertamos de madrugada com a sensação de que já é muito tarde. Porém, ainda está escuro. Intuitivamente, apuramos o ouvido em busca do ruído de pássaros, pessoas ou automóveis. Antes de darmos meia volta para continuarmos a dormir, recorremos a uma técnica subconsciente: tentamos avaliar a temperatura do quarto. Quando não sentimos o calor do nascer do sol, concluímos que ainda podemos dormir mais um par de horas.
Esta situação quotidiana revela o muito que ainda confiamos nos indicadores naturais externos. Automaticamente, recorremos a eles quando nos falta a tecnologia.
A natureza está presente em tudo o que nos rodeia e continua a desempenhar um papel crucial nas nossas vidas, mesmo sem nos darmos conta. Apesar de vivermos uma época em que existem cada vez mais áreas urbanizadas e menos espaços verdes, o nosso corpo e a nossa mente continuam a ter em conta a informação que a natureza nos transmite.
Por exemplo: levantamo-nos mais frescos quando dormimos de janelas e cortinas abertas, uma vez que as variações naturais de luz, ruído e temperatura conseguem interagir de forma natural com o organismo. Por outras palavras, a natureza sincroniza-se harmoniosamente com os nossos sistemas orgânicos – o hormonal, o digestivo e todos os outros.
O dia e a noite
A razão pela qual somos tão sensíveis às diferenças entre o dia e a noite é explicada pela psicologia evolutiva. Há milhares de anos, não tínhamos eletricidade nem outros meios de gerar luz facilmente, um elemento necessário para que o aparelho ocular conseguisse detetar claramente animais hostis ou acidentes do terreno. Era necessária bastante energia física para obter a luz, pois havia que aprovisionar a madeira para acender fogueiras. Assim, durante muitos e muitos séculos, os seres humanos fizeram apenas uso da luz solar, sendo que os sistemas físicos estavam mais ativos quando havia luz e menos ativos quando chegava a escuridão.
Convertemo-nos em criaturas diurnas e os nossos corpos adaptaram-se totalmente a estarem despertos de dia, para descansarem à noite. Portanto, às primeiras horas da manhã, em função de indicadores como a luz, a temperatura e os ruídos, sentimos necessidade de acordar.
Imagine-se, pois, a confusão do nosso organismo, quando dormimos num quarto bem isolado do ruído exterior, com as cortinas corridas e uma temperatura constante.
Cidades verdes
Dezenas de investigações científicas permitiram demonstrar que a presença de árvores, plantas e flores incrementa o bem-estar do ser humano moderno. Estudos efetuados em diversos hospitais revelaram que decorar as salas com abundantes plantas e flores faz com que os pacientes recuperem mais depressa e as visitas se sintam mais cómodas, ao mesmo tempo que ajuda a reduzir o stress laboral dos trabalhadores.
Embora se desconheça a causa exata da influência positiva das plantas, a psicologia evolutiva proporciona algumas pistas. Experiências científicas mostraram que nos sentimos mais à-vontade em ambientes que nos dão uma certa proteção, mas que deixam suficiente espaço aberto para detetarmos possíveis “predadores”.
Pode soar um pouco estranho, mas é fácil de entender, com um pouco de imaginação: suponha que está num bosque e que a vegetação não o deixa ver mais de um metro. Sentir-se-ia seguro ou, pelo contrário, assustado, por não saber o que poderia esconder-se a poucos metros de si? Agora, imagine a situação contrária: está num espaço completamente aberto, no qual pode ver a quilómetros de distância. Sente-se seguro? Provavelmente, também não, já que, em caso de perigo, não teria onde se refugiar.
Tal como começámos por referir, gostamos de áreas com vegetação em redor, mas que deixem suficiente espaço para caminhar livremente e controlar as proximidades. Afinal, este era o tipo de ambiente existente na savana africana, quando os nossos antepassados longínquos se transformaram em seres humanos.
Bosques urbanos
O que acabámos de referir demonstra a importância das zonas verdes implantadas em áreas urbanas. Os peritos em ciências sociais trabalham cada vez mais próximos dos arquitetos e urbanistas, com vista a criarem os adequados espaços verdes nas cidades modernas. Não basta limitarmo-nos a plantar umas árvores em cada rua: as zonas verdes devem imitar o ambiente que podemos encontrar no campo. Desta forma, é preferível ter pequenos parques espalhados pelas cidades do que poucos parques e muitas árvores disseminadas pelas ruas.
Embora faltem dados conclusivos, este apelo da natureza também explicaria por que razão os habitantes das grandes urbes se sentem tão bem quando visitam zonas rurais. Também poderá explicar por que preferimos comer à sombra de uma árvore num parque, em vez da sombra de um toldo.
É curioso verificar que, quanto mais regressamos à natureza, melhor conseguimos enfrentar o mundo moderno.
Leia o artigo completo na edição de julho/agosto 2019 (nº 296)