Médicos oftalmologistas consideram que a pandemia também trouxe problemas para a saúde ocular, sobretudo por causa do aumento do tempo em frente aos ecrãs, mas igualmente pelo adiamento de exames oftalmológicos de rotina.

 

Os hábitos que resultaram, em grande medida, do confinamento imposto pela pandemia, como passar mais tempo em frente aos ecrãs, ficar em casa ou reduzir o número de consultas, têm piorado a saúde ocular, a tal ponto que podem ter gerado perdas irreparáveis de visão, no caso de pacientes com patologias anteriores ou não detetadas. Esta é a principal conclusão do relatório “#VisãodeFuturo: A Saúde Ocular em Tempos de Coronavírus”, elaborado por um grupo de trabalho de cinco clínicas, espanholas e portuguesas, com base num inquérito feito a mais de 50 médicos oftalmologistas.

De acordo com este grupo de especialistas, durante a pandemia, houve uma redução das consultas de rotina para exames aos olhos (para 67% dos profissionais) e o aumento do tempo passado em frente aos ecrãs (para 68% dos profissionais) foi o hábito que mais afetou a saúde ocular. No conjunto, 78% dos especialistas considera que piorou a saúde ocular, em termos gerais, em consequência da pandemia.

Muitas horas em frente aos ecrãs

Durante a pandemia do coronavírus, “o uso da visão de perto e da visão de distância intermédia intensificaram-se”. O Prof. Manuel Monteiro Pereira, um dos membros do grupo de trabalho responsável pelo relatório, explica que esta última é utilizada quando olhamos a cerca de 60-80 centímetros, como acontece quando se trabalha com um computador ou na cozinha. “Durante a pandemia, a situação piorou, principalmente por causa do confinamento. O número de horas em frente aos ecrãs aumentou significativamente, agravando doenças como olho seco, astenopia, olhos vermelhos, dores de cabeça e, nos jovens, miopia”, afirma o especialista.

A maioria dos especialistas (60%) detetou que a miopia é o distúrbio mais afetado pela pandemia em menores. Já era considerada uma epidemia infantil, mesmo antes da COVID-19. Mas agora, insistem, a tendência de maior uso dos ecrãs e para permanecer mais tempo em casa podem fazer com que a sua frequência sofra um aumento ainda maior nos próximos anos.

O Prof. Manuel Monteiro Pereira destaca que não foi demonstrada uma relação direta entre o uso de computadores e a miopia. No entanto, ressalva que, para a boa saúde ocular dos menores, é fundamental que “façam pausas visuais regulares e aproveitem o ambiente ao ar livre, sempre que possível”.

Prevenir o olho seco

No caso dos adultos, o olho seco é o distúrbio identificado por 60% dos especialistas como o mais prevalecente devido aos hábitos ligados à pandemia. O uso frequente de máscaras aumenta a secura dos olhos, tal como passar muito tempo em frente aos ecrãs ou trabalhar muito intensamente com o computador, reduzindo a frequência do pestanejar.

“Para descansar a visão e ajudar a hidratar os olhos adequadamente, recomendamos

que pestaneje e faça pausas para descanso dos olhos com frequência, pelo menos a cada hora, por 2 a 3 minutos. Além disso, mantenha uma boa posição na mesa e evite o reflexo da luz nos ecrãs”, salienta ainda o Prof. Manuel Monteiro Pereira.

Além disso, os especialistas recomendam trabalhar num ambiente bem iluminado e humedecido, pois a secura do ambiente causada pelo aquecimento ou ar condicionado pode agravar os distúrbios oculares.

Exames oftalmológicos de rotina

No relatório sobre saúde ocular, os especialistas alertam, ainda, para os riscos associados ao adiamento das visitas de rotina às clínicas oftalmológicas, comportamento que atribuem principalmente ao medo do contágio do coronavírus (61%). Em causa pode estar a deteção precoce de patologias tão importantes quanto a degeneração macular relacionada com a idade (DMRI), a retinopatia diabética ou o glaucoma, com o consequente risco de perda irreparável da visão.

Na verdade, 48% dos especialistas consideram que os pacientes com DMRI são aqueles cujo prognóstico piorou durante a pandemia, seguidos por aqueles com retinopatia diabética (20%) e glaucoma (12%).

Como explica o Prof. Manuel Monteiro Pereira, “a DMRI é uma doença degenerativa da mácula relacionada com a idade, que leva a uma diminuição acentuada da visão central ou mesmo à cegueira, começando após os 55-60 anos”.

O problema, explica este oftalmologista, é que essa doença, na sua fase inicial, não apresenta sintomas relevantes. E, por causa da pandemia, esses doentes adiaram as suas consultas ou estas foram canceladas pelos hospitais. “Detetámos uma diminuição significativa no número de tratamentos e um agravamento da situação daqueles que apareceram para tratamento, tanto na acuidade visual como no estágio da doença, devido à redução de consultas”.

Atraso nas intervenções de cataratas

Cerca de 84% dos oftalmologistas descobriram que, devido à pandemia, muitas das intervenções às cataratas que estavam previstas foram adiadas, uma situação que põe em causa a qualidade de vida dos doentes, os quais, devido à sua má qualidade visual, apresentam maior risco de acidentes de trânsito, quedas, fraturas e até mesmo de agravamento dos seus problemas neurológicos ou psicológicos.

Além disso, atrasar muito esta intervenção pode dificultar a cirurgia em si. “A intervenção atempada nesta patologia é extremamente importante: quanto mais cedo se fizer o seu tratamento, mais fácil será a execução cirúrgica. A cirurgia é mais rápida em regime ambulatório e a qualidade de vida melhora significativamente”, explica o Prof. Manuel Monteiro Pereira.

Medidas higiénico-sanitárias

O medo de contrair a Covid-19 é o principal motivo pelo qual as pessoas pararam de fazer exames de saúde ocular, segundo os especialistas consultados. Além disso, 70% deles consideram que aqueles que mais deixaram de frequentar esses exames foram os maiores de 65 anos.

Porém, quando questionados sobre as medidas higiénico-sanitárias que as clínicas de Oftalmologia cumprem, todos enfatizam que evitar infeções tem sido e é uma prioridade, seguindo rígidos padrões de segurança.

“As medidas higiénico-sanitárias estabelecidas nas clínicas oftalmológicas seguem todas as normas decretadas pela Direção Geral de Saúde. O uso da máscara é obrigatório e, ao entrar na receção, a temperatura dos pacientes é verificada e as mãos são desinfetadas. Além disso, mantemos a distância entre os pacientes, tanto na sala de espera quanto entre as consultas, desinfetamos as superfícies utilizadas e protegemos a equipa clínica com touca, máscara, bata e luvas. Toda a clínica é limpa diariamente, como se fosse uma sala de cirurgia”, detalha o Prof. Manuel Monteiro Pereira, responsável pela Clínica Oftalmológica das Antas, no Porto.

 

Recomendações dos especialistas

Com o lançamento do relatório “#VisãodeFuturo”, o grupo de trabalho responsável pela sua elaboração quer consciencializar a população de que deixar de fazer check-ups por medo da pandemia pode ter efeitos colaterais na saúde, prejudicando a sua visão. Como tal, os oftalmologistas apresentam uma série de recomendações para ajudar a prevenir e reverter essa situação:

  1. Fique em espaços tão abertos quanto possível e devidamente iluminados. A luz natural, neste caso, é muito melhor para a saúde ocular do que a artificial.
  2. Trabalhe em ambientes adequadamente humidificados. O aquecimento ou o ar condicionado ressecam o ambiente e também os olhos. O uso de humidificadores pode ser uma boa alternativa para evitar o olho seco.
  3. Faça pausas visuais. Programe uma rotina de trabalho em que, por exemplo, a cada 20 minutos, repouse os olhos por um determinado tempo, afastando-os do ecrã e olhando para longe.
  4. Procure usar menos a visão de perto e a intermediária: se vamos usar um ecrã, é melhor ver televisão (a uma distância maior) do que usar o telemóvel para o mesmo fim.
  5. Para momentos de lazer, prefira sempre passar mais tempo ao ar livre.
  6. Evite os reflexos nos ecrãs. Estes podem obrigar a realizar um maior esforço visual.
  7. Pestaneje mais e melhor: essa ação ajuda a espalhar a lágrima, repleta de nutrientes essenciais, por toda a superfície ocular.
  8. Faça exames oftalmológicos de forma rotineira, anualmente em idades críticas (em idades precoces, durante a gravidez ou acima dos 40 anos).
  9. Se sofre de uma patologia já detetada, não negligencie os seus tratamentos ou intervenções. Apesar de não apresentar sintomas fortes, muitas vezes ocorre perda de visão irreparável.
  10. Em caso de sintomas, consulte um especialista em Oftalmologia.