Quando se tem um diagnóstico de lúpus aos 34 anos, doença que é para toda a vida, e quando somos confrontados com a sua incapacidade de um minuto para o outro, o filme da nossa história de vida passa num segundo.

Testemunho na primeira pessoa de Isabel Marques

Ao longo destes anos tentei, em primeiro lugar, aceitar que algo na minha saúde não poderia estar bem. Se me perguntarem “é fácil?”. Não é, sinto que a sociedade ainda não está preparada para aceitar este tipo de doentes. Deparo-me muitas vezes com muita falta de informação e ainda com a existência do preconceito. As pessoas só acreditam no que veem, mas o lúpus é uma doença muito invisível! Todos os dias enfrento com o lúpus novos desafios, mas nunca fui de baixar os braços.

É necessária mais informação

Gostaria muito de poder ver mais informação, mais folhetos informativos. Quantas e quantas vezes passamos horas em centros de saúde e hospitais, entre consultas, com agulhas espetadas, mas nunca vi nada mencionando esta doença autoimune que é o lúpus!

Na minha opinião, só através da informação as pessoas podem adquirir o conhecimento. E cabe a cada um de nós, no nosso papel interventivo da sociedade, ajudar a divulgar esta doença. Gostaria de ver estas ações de sensibilização começarem pelas escolas, junto dos nossos jovens.

Todos os dias tento focar-me e fazer coisas que me promovam equilíbrio e bem-estar físico, psíquico e emocional, pois o stress, no meu caso, é altamente prejudicial. O meu lúpus tem incidência no sistema nervoso central e  tem-me provocado vasculites cerebrais, o que afeta muito a parte neurológica, bem como toda a parte articular e, muito recentemente, vi-me a ter que ultrapassar uma pericardite lúpica (inflamação do músculo que envolve o coração). Chego, muitas vezes, a estar dependente dos cuidados tanto do meu marido como do meu filho, que têm sido os meus dois grandes alicerces.

Por isso, tento viver a vida o mais intensamente que consigo, tento todos os dias abraçar a vida, porque as minhas conquistas diárias são para mim grandes vitórias. Sou mais forte junto do mar que tanto adoro. E é perto dele que me sinto livre e encontro força e energia para um novo começo. Digo a todas as pessoas com lúpus que o caminho somos nós que o fazemos. É extremamente importante acreditarmos em nós mesmos!

Temos dias que perdemos. Temos dias que empatamos. Temos dias que fazemos cheque-mate!

Aprendizagem permanente

A vida para mim tem sido uma aprendizagem permanente, que me fazem refletir todos os dias. Aprendi a não me esquecer de mim e não perder a autoestima, pois esta deve ser um dos pilares que nos faz emergir para voltarmos a viver. Nunca desistir! Aprendi a encontrar a minha paz interior, para sentir a força que por vezes tanto necessito para ir continuando a fazer o meu caminho. Aprendi apenas a valorizar o momento que a vida me vai dando. Aprendi a não dar importância a coisas que não interessam nada, mas aprendi também a observar as pequenas coisas que a vida nos dá, por mais pequenas que sejam.

E aprendi ainda mais:

Aprendi a respeitar os sinais do meu corpo.

Aprendi que falar pode aliviar a minhas dores emocionais.

Aprendi que o que importa não é o que eu tenho na vida, mas quem eu tenho na vida.

Aprendi que não importa até onde eu chegue, mas para onde estou indo.

Aprendi que eu posso ir mais longe depois de pensar que não posso mais.

Aprendi que o silêncio alivia a minha dor.

É por tudo isto que agradeço todos os dias ao meu mar, pois é com ele que tantas vezes eu grito, choro, desabafo e partilho. É a ele que vou buscar a força que preciso ter todos os dias para poder ultrapassar mais um novo desafio.

O maior desafio

O maior desafio de todos tem sido a depressão que tantas vezes é silenciada. Sei bem descrever o vazio pelo qual tenho passado. Os sacrifícios impostos pela doença agravam-se e desencadeiam sintomas e crises agudas. Tive momentos em que não conseguia pensar, pois as dores permanentes e as elevadas doses de medicamentos foram o caminho, que nada me tem ajudado. O simples facto de sofrido tido graves incapacidades físicas e cognitivas, associadas a fadiga, dores no corpo todo, vasculites cerebrais, perdas de apetite, tudo isto provocou demasiado stress e obrigou a consciencializar-me para esta nova realidade. Contrariar o meu corpo, para me levantar todos os dias, é por vezes um grande esforço e uma grande exigência, física e mental.

No meu caso, o lúpus comprometeu o meu cérebro. Tenho momentos em que tudo muda de um minuto para o outro. O esquecimento, o querer exprimir-me e ficar confusa… por vezes, nem o meu nome consigo pronunciar.

Gerir todas estas adversidades não é fácil. Tive de aceitar, acreditar, levar a vida com muita leveza e tentar sempre agarrar-me às conquistas positivas. Sorrir alivia a alma! E tenho muita sorte de ter médicos que entendem bem a complexidade de todo o meu diagnóstico e que me ajudam na forma de adaptação e informação para quem vive comigo.

Os tratamentos

Os tratamentos de quimioterapia foram e são o processo mais doloroso pelo qual tenho passado ao longo destes anos, pois, em surtos ativos, é a estes tratamentos que tenho de recorrer.

Este tipo de tratamentos não é só para doentes oncológicos – esse é um desconhecimento de muitas pessoas. Devido à minha doença autoimune, tenho de recorrer a este tipo de tratamento injetável, em meio hospitalar, com uma duração de 4 horas cada tratamento, com ciclos de 6 sessões, de 3 em 3 semanas… Não é nada fácil!

A saúde é o nosso bem mais precioso. A sua ausência transforma por completo a nossa perceção do mundo e a forma como nos relacionamos com os outros. Por isso, digo muitas vezes que amanhã é um novo dia e a palavra esperança é a que tenho sempre gravada no coração. Vivo ao som das ondas e é o mar que me inspira e me embala todos os dias.

Isabel Marques

 

O que é, afinal, o lúpus?

O lúpus eritematoso sistémico é uma doença autoimune que afeta predominantemente mulheres jovens, com idade entre os 15 e 44 anos.  É uma doença crónica que pode atingir diversos órgãos (coração, pulmões, rins), de forma por vezes silenciosa, variando entre períodos de atividade e de remissão.

São reconhecidos dois tipos principais de lúpus: cutâneo, que se apresenta com manchas na pele (geralmente, avermelhadas ou eritematosas), principalmente nas áreas que ficam expostas à luz solar (rosto, orelhas, colo e braços); e o sistémico, no qual um ou mais órgãos internos podem ser afetados, entre eles também a pele. Nas formas sistémicas, há muitas vezes dor nas articulações (artrite) e sintomas gerais como a febre, emagrecimento, perda de apetite e fadiga.