A paramiloidose – ou “doença dos pezinhos” – é uma doença hereditária rara, irreversível e rapidamente incapacitante, causada pelo depósito de uma substância anómala, chamada amiloide, em vários tecidos e órgãos. A 16 de junho assinala-se o Dia Nacional de Luta contra a Paramiloidose.

Artigo da responsabilidade da Dra. Isabel Conceição. Neurologista e neurofisiologista (CHULN-HSM); Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa.

 

 

 

Em Portugal, estavam identificadas em 2016,  1.865 pessoas com esta patologia, que correspondia a cerca de 20% dos doentes em todo o mundo. Estima-se que mundialmente existam cerca de 10000 pessoas com Polineuropatia associada a amiloidose.

A paramiloidose é uma patologia multissistémica (atinge diferentes órgãos e sistemas). A forma mais frequente é associada a manifestações do sistema nervoso periférico, que controla a sensibilidade e a força muscular dos membros, mas também o envolvimento cardíaco é uma das principais características. Pode ainda afetar os rins e, em fases mais tardias, a visão e o sistema nervoso central, provocando alterações como a epilepsia ou acidentes vasculares cerebrais. Popularmente conhecida como “doença dos pezinhos”, o seu nome tem origem nas feridas que os primeiros pacientes apresentavam nos pés devido à falta de sensibilidade.

A paramiloidose é causada por uma acumulação  em vários órgãos e tecidos,  de uma substancia amorfa, o amiloide,  constituída  por uma proteína – a  transtirretina (TTR). A maioria da TTR circulante  é produzida no fígado, e tem um papel fisiológico de transporte de vitamina A e hormonas tiroideias. No caso de um indivíduo ser portador de uma mutação no gene da TTR, esta tona-se instável e deposita-se sob a forma de fibrilhas amiloides nos tecidos, com especial afinidade para o sistema nervoso periférico e coração, levando a disfunção destes sistemas.

Se for diagnosticada atempadamente e tratada de forma adequada, o doente consegue viver com qualidade. Caso tal não seja possível, e porque provoca lesões  irreversíveis, e pode ser fatal em apenas 10 anos. Como em tantas outras doenças, no caso da Paramiloidose o diagnóstico precoce é fundamental.

Sintomas e alterações

A diminuição ou perda de sensibilidade à temperatura, sensações como dormência, formigueiro ou dor intensa e espontânea em repouso, podem ser sintomas iniciais de paramiloidose. Na esmagadora maioria dos casos, estes sintomas iniciam-se nos pés e nas pernas, progredindo de  forma gradual até às mãos. Entre os sintomas mais comuns podemos encontrar, também, a perda involuntária de peso, alterações do trânsito gastrointestinal (sejam obstipação ou diarreia), dificuldade em fazer as digestões ou disfunção sexual.

Com o passar do tempo, as alterações gastrointestinais tornam-se mais acentuadas levando a diarreias incoercíveis, náuseas, vómitos e alterações urinárias com incontinência de esfíncteres. Também podem ocorrer tonturas ou desmaios, secundários a uma dificuldade de regulação da tensão arterial, com descida da tensão arterial quando a pessoa se levanta.

A progressão da doença leva a uma diminuição da força muscular que começa nos pés e nas pernas, e que progride para os membros superiores. Numa fase posterior, ou em alguns casos mais precocemente, a amiloidose cardíaca pode levar a uma necessidade de implantação de um pacemaker precocemente ou a uma insuficiência cardíaca.

Estima-se, também, que a função renal possa ficar comprometida em cerca de um terço dos doentes, sobretudo se já houver história familiar. Esta alteração pode ocorrer numa fase precoce da doença, mas são casos pontuais. Também habitualmente em fases mais adiantadas passam a ser comuns perturbações visuais como visão turva, olho seco, glaucoma ou diminuição da acuidade visual por deposição de amiloide no vítreo.

Como é diagnosticada?

Os sintomas da paramiloidose passam muitas vezes despercebidos e podem ser confundidos com os de outras doenças. Por se tratar de uma doença rara, são poucas as situações em que é considerada pelos médicos. Na maioria dos casos, os doentes acabam por passar por diferentes avaliações até chegarem ao diagnóstico, o que atrasa o início dos tratamentos.

O diagnóstico assenta no teste molecular que confirma a presença de uma mutação do gene da TTR e na presença se sinais ou sintomas relacionados com a doença. A demonstração da deposição de substância amiloide em qualquer tecido através de uma biópsia  permite confirmar o início do processo patogénico responsável lo início da doença.

A confirmação de envolvimento dos órgãos alvo, nomeadamente os nervos periféricos somáticos, sensitivos e motores, sistema nervoso autónomo e coração deve ser efetuada no decurso da marcha diagnostica. Importa também avaliar o envolvimento ocular e renal desde o início da sintomatologia.

Como tratar?

Depois de diagnosticados, os doentes devem ser seguidos regularmente por uma equipa multidisciplinar composta por um neurologista, um cardiologista, um nefrologista, um oftalmologista ou outros especialistas (dependendo dos órgãos afetados).

Porque o fígado é a fonte primária da mutação, se realizado precocemente, o transplante hepático foi a primeira terapêutica aprovada e permite estabilizar a progressão da doença e aumentar a qualidade de vida. É, normalmente, a solução para pessoas mais jovens, no início da doença, com sintomas menos avançados e um bom estado geral.

De há uma década para cá, foram aprovadas novas terapêuticas que ajudam a controlar a Paramiloidose – novas formas de tratamento que contribuem para estagnar o seu avanço, aumentar a esperança e a qualidade de vida dos doentes.

 

DESTAQUE

Números da paramiloidose

Portugal é um dos maiores focos endémicos da paramiloidose. De acordo com dados publicados em 2016, estima-se que existam 1.865 pessoas com a doença, só no nosso país. Os portugueses representam quase 20% do total de doentes em todo o Mundo, sendo considerada a população com a maior prevalência da patologia.

 

DESTAQUE
Origem portuguesa

O primeiro diagnóstico de paramiloidose em todo o Mundo surgiu no final de 1939, no Hospital de Santo António, no Porto: uma paciente de 37 anos, natural da Póvoa de Varzim, com um quadro clínico “peculiar”. A equipa do Dr. Corino de Andrade, médico a quem é atribuída a descoberta da doença, detetou que o cenário apresentado pela paciente era semelhante, não só ao de alguns dos seus familiares, como de moradores da mesma zona

Desde que foi apresentada à comunidade médica internacional pelo Dr. Corino de Andrade, a paramiloidose foi identificada noutras regiões. Existem casos em Portugal e no Mundo, mas a sua prevalência no Norte do País (em especial na Póvoa do Varzim) – 1 em cada 1.000 habitantes – não se compara às restantes. Não se sabe ao certo onde e quando ocorreu a primeira mutação que daria origem à doença mas tudo indica que tenha sido nesta mesma região.

Para mais informações:

Associação Portuguesa de Paramiloidose

Centro Nacional de Referência do Porto

Centro Nacional de Referência da Paramiloidose de Lisboa