A evolução do conhecimento em nutrição e alimentação é inquestionável e sustenta o papel determinante das dietas adequadas, na saúde humana e na proteção do Planeta.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. José Camolas Vice-presidente da Direção da Ordem dos Nutricionistas

 

 

Hipócrates, considerado o pai da medicina moderna, sugeriu que a investigação médica teria de incluir a observação da forma como as pessoas viviam, o que comiam e bebiam, bem como a sua predisposição para o sedentarismo ou uma vida ativa. Passados mais de dois milénios, Willett publicou o livro “Coma, beba e seja saudável”, inspirado pelo estilo de vida mediterrânico e o seu papel na promoção e proteção da saúde. A interação equilibrada entre os indivíduos e ambiente é intrínseca à dieta mediterrânica, modelando social e culturalmente as sociedades da região.

A importância dos contextos e estilos de vida na saúde individual e coletiva é, portanto, um conceito que já percorreu, pelo menos, dois milénios. A crescente evidência do impacto das doenças crónicas não-transmissíveis – tais como a obesidade, a diabetes e as doenças cardiovasculares – motivou o desenvolvimento de modelos de compreensão e abordagem da doença, tendo em consideração, além das variáveis físicas mensuráveis, as dimensões social, psicológica e comportamental. O designado modelo biopsicossocial é particularmente alinhado com os desafios impostos ao nível da nutrição e alimentação, face à sua influência na saúde física, no bem-estar psicológico e na coesão social.

DIETA COMO UM TODO

Ao nível da nutrição clínica, a evolução do conhecimento científico (por exemplo, na genética e do metabolismo) fornece suporte relevante para intervenções nutricionais personalizadas. Não obstante, esta evolução acarreta também desafios, que se prendem com a necessidade de utilizar e comunicar adequadamente a evidência disponível. Por exemplo, dispomos atualmente de dados mais robustos e relevantes sobre o papel da dieta “como um todo”, do que sobre o impacto de elementos isolados na saúde.

O foco em “superalimentos”, nutrientes ou componentes específicos tende, portanto, a ser redutor, na medida em que a mesma variável pode ter impacto muito distinto, em função da condição ou objetivo clínico. Outro exemplo: sabemos que os adoçantes artificiais reduzem, efetivamente, o conteúdo energético dos alimentos (quando usados em substituição dos açúcares), mas há dúvidas plausíveis no que concerne ao seu impacto na microbiota intestinal.

Portanto, e em face do seu potencial impacto, a intervenção baseada na evidência científica e em normas de apoio à prática profissional é obrigação ética e deontológica de todos os nutricionistas.

CUIDADOS PERSONALIZADOS

Os cuidados personalizados são um dos paradigmas atuais, para os sistemas de saúde. Relativamente à perspetiva individual, da saúde e da doença, importa relevar que o indivíduo (do latim individŭu) é isso mesmo, indivisível, e não uma díade corpo-pensamento. Portanto, a forma como cada pessoa convive com a expressão física da sua doença tem impacto, igualmente personalizado, no seu bem-estar psicológico. Acresce que a perceção que o indivíduo tem do risco e/ou da doença depende também das pessoas ao seu redor. Estas constatações assumem particular relevo quanto se aborda o papel da alimentação na saúde.

Sabemos que as práticas alimentares – boas ou más – nem sempre se refletem em resultados imediatos em saúde. Assim, o impacto do comportamento alimentar, na vida de um indivíduo, pode ser distal e/ou intangível – por exemplo, a adoção de uma dieta saudável na infância, adolescência ou início da idade adulta poderá refletir-se, apenas, no risco de incidência de diabetes, em fase tardia da vida.

Em contraponto, sabemos que não é assim para os aspetos hedónicos e os mecanismos de recompensa alimentar. Isto é, existe prazer imediato e reforço biológico associados à ingestão de alimentos de elevada palatibilidade, por exemplo, ricos em açúcares. A estas preferências inatas, associam-se ainda aspetos como a exposição aos alimentos e a porções excessivas aos estímulos ao consumo, entre outros fatores – materializadas na crescente oferta alimentar, de alimentos processados e de elevada palatabilidade.

Leia o artigo completo na edição de maio 2022 (nº 327)