Nos últimos 20 anos, a forma como a Medicina encara a diabetes, doença que já é considerada uma das epidemias do século XXI, mudou profundamente: hoje, tratar esta doença significa muito mais do que controlar a glicemia.

Artigo da responsabilidade Dra. Sónia Gonçalves. Especialista em Medicina Interna. Coordenadora da Unidade de Cuidados Intermédios e da Unidade de Obesidade no Hospital CUF Santarém

 

A diabetes mellitus é uma doença metabólica caracterizada pela incapacidade de produzir ou utilizar insulina de forma eficaz, resultando em níveis de açúcar elevados ou hiperglicemia persistente.

É uma das doenças crónicas mais prevalentes do século XXI, com enorme repercussão em Portugal e no mundo. No nosso país, estima-se que mais de um milhão de pessoas viva com diabetes, o que corresponde a cerca de 15% da população.

Esta condição pode levar a complicações graves, como retinopatia, nefropatia, enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, com forte impacto na qualidade e na esperança de vida.

Nos últimos 20 anos, a visão clínica da diabetes mudou profundamente: deixou de ser encarada de forma meramente “glucocêntrica” – ou focada apenas nos níveis de açúcar elevados – e passou a ser reconhecida como uma doença multifatorial, com impacto metabólico, cardiovascular e renal. Esta mudança trouxe avanços significativos na abordagem terapêutica, nas recomendações internacionais para a abordagem da doença e nas opções farmacológicas disponíveis para os doentes.

O QUE DIZEM AS RECOMENDAÇÕES MAIS RECENTES?

As recomendações conjuntas da Associação Americana de Diabetes (ADA) e da Associação Europeia para o Estudo da Diabetes (EASD), adaptadas em Portugal pela Sociedade Portuguesa de Diabetologia e pela Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, definem, hoje, os princípios orientadores mais relevantes para o tratamento da diabetes.

Entre estes, encontra-se a INDIVIDUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA. Segundo as orientações nacionais e internacionais, o tratamento deve ser adaptado a cada pessoa, considerando a sua idade, outras doenças que possa ter (as chamadas comorbilidades), o risco cardiovascular e renal, bem como a fragilidade e o risco de hipoglicemias.

Por outro lado, deve ser dada PRIORIDADE A FÁRMACOS COM BENEFÍCIO CARDIORRENAL, ou seja, que têm a capacidade de proteger o coração e os rins. Isto é especialmente relevante para as pessoas com diabetes que sofrem, simultaneamente, de doenças cardiovasculares ou renais.

É, também, fundamental EVITAR A INÉRCIA TERAPÊUTICA. As reavaliações devem ser frequentes – idealmente, de três em três meses –, para ajustar o tratamento, sempre que necessário.

As recomendações têm, ainda, em consideração o PESO COMO ALVO TERAPÊUTICO. A perda de 10 a 15% do peso corporal, em casos de diagnóstico recente, pode favorecer a remissão da diabetes tipo 2. Existem já algumas opções de fármacos eficazes neste contexto.

São também reconhecidos os benefícios de colocar a TECNOLOGIA AO SERVIÇO DO CONTROLO DA DIABETES: a monitorização contínua da glicose, as bombas de insulina com algoritmos inteligentes e os sistemas híbridos estão cada vez mais acessíveis e recomendados, tornando o tratamento mais rigoroso e seguro.

Por fim, é essencial adotar uma ABORDAGEM HOLÍSTICA, porque a medicação não substitui os pilares fundamentais do tratamento da diabetes: alimentação saudável, atividade física regular, educação em diabetes e apoio psicológico.

Em conjunto, estas recomendações representam uma verdadeira mudança de paradigma: o objetivo do tratamento já não se limita a baixar a glicemia, mas também reduzir riscos, proteger órgãos-alvo e melhorar a qualidade de vida dos doentes.

O QUE MUDOU NO TRATAMENTO?

As últimas décadas trouxeram avanços decisivos no tratamento da diabetes. Entre os mais relevantes destacam-se os medicamentos que, não só melhoram o controlo glicémico, como promovem a perda de peso e asseguram proteção cardiovascular.

Hoje, sabemos que iniciar combinações terapêuticas de forma precoce, em pessoas de risco cardiovascular elevado, melhora substancialmente os resultados a longo prazo.

Outro marco é a cirurgia metabólica – ou bariátrica –, atualmente reconhecida como um tratamento metabólico eficaz, capaz de normalizar a glicemia e, em muitos casos, induzir a remissão da diabetes.

A tecnologia também está a transformar a vida das pessoas com diabetes: sensores de glicemia, sistemas de administração automática de insulina e aplicações móveis que integram dados em tempo real, permitem um tratamento mais personalizado, flexível e seguro.

O QUE CADA PESSOA PODE FAZER PARA PREVENIR A DIABETES?

A prevenção continua a ser a arma mais poderosa contra a diabetes tipo 2. Quem tem fatores de risco, como excesso de peso, sedentarismo ou história familiar da doença, deve adotar uma alimentação equilibrada, praticar exercício regularmente e controlar o peso. Estas medidas reduzem significativamente o risco de desenvolver a doença.

Para quem já tem um diagnóstico de diabetes, o maior risco é não agir. Mudanças no estilo de vida, associadas a tratamento farmacológico, nos casos em que este está indicado, aumentam a probabilidade de um bom controlo da doença e podem, até, permitir uma remissão parcial da diabetes.

É igualmente importante manter um papel ativo na relação com o médico. Perguntar sobre novas opções terapêuticas, bem como sobre tecnologias recentes e inovadoras, como a monitorização contínua da glicose, pode abrir portas a tratamentos mais eficazes e ajustados às necessidades individuais.

O FUTURO DA PREVENÇÃO E DO TRATAMENTO

Hoje, tratar a diabetes significa muito mais do que controlar a glicemia. Significa prevenir complicações, proteger órgãos-alvo, promover qualidade de vida e, em alguns casos, alcançar remissão funcional.

O grande desafio, em Portugal, é transformar os avanços científicos em benefícios reais para todos os doentes, garantindo o acesso equitativo a terapias inovadoras, tecnologia de ponta e programas de prevenção eficazes.

Em novembro, mês em que se assinala o Dia Mundial da Diabetes – cujo lema, este ano, é “Diabetes e bem-estar” – o apelo é claro: promover a inclusão, combater o estigma e melhorar a literacia em saúde.

O futuro passa por unir ciência, tecnologia e prevenção. E a responsabilidade é partilhada: o sistema de saúde é parte fundamental na criação de condições equitativas, enquanto a cada um de nós cabe agir cedo, fazer escolhas saudáveis e exigir melhores respostas.

Leia o artigo completo na edição de novembro 2025 (nº 365)