Ao longo deste artigo iremos comparar, ponto por ponto, as vantagens e limitações de próteses auditivas versus amplificadores, analisando fatores como qualidade sonora, personalização, saúde auditiva a longo prazo e custos efetivos.

Artigo da responsabilidade da Dra. Ângela Reis Rego. Coordenadora da Unidade de Vertigem do Instituto CUF Porto. ORL no Hospital de Santa Maria, Porto

Dr. Vasco de Oliveira. Consulta de ORL Hospital das Forças Armadas – Polo do Porto. Professor Adjunto Convidado na ATC de Audiologia, Escola Superior de Saúde – Politécnico do Porto

Eng. António Ricardo Miranda. Engenheiro Eletrotécnico e de Computadores, de Controlo e Robótica. Presidente e sócio-fundador da OUVIR – Associação Portuguesa de Portadores de Próteses e Implantes Auditivos

 

Ouvir é um ato simultaneamente físico, emocional e social. Reconhecer o riso de uma criança, participar numa conversa espontânea ou simplesmente orientar-nos pelo som do trânsito são gestos que sustentam a nossa autonomia e definem a nossa ligação ao mundo.

Quando não identificada e tratada precocemente, a hipoacusia pode ter consequências graves. Nas crianças, interfere diretamente no desenvolvimento da linguagem, no rendimento escolar e nas competências cognitivas. Nos adultos, pode comprometer a comunicação interpessoal, o desempenho profissional e aumentar o risco de isolamento social. Nos idosos, a perda auditiva não tratada é hoje reconhecida como um fator de risco independente e modificável, que contribuiu para o desenvolvimento de demência.

MAIS DE UM MILHÃO COM PERDA AUDITIVA

Em Portugal, estima‑se que mais de um milhão de pessoas viva com algum grau de perda auditiva, mas apenas uma fração recorre a apoio especializado.

Neste contexto, multiplicaram‑se no mercado dispositivos de amplificação sonora de venda livre, à primeira vista mais baratos e práticos do que as próteses auditivas clínicas clássicas. Contudo, nem sempre o mais rápido ou económico é o mais adequado. As próteses auditivas modernas, adaptadas com base em exames audiológicos e calibradas digitalmente para a perda auditiva de cada indivíduo, não se limitam a aumentar o volume: selecionam frequências, reduzem ruído e integram‑se, de forma quase invisível, no estilo de vida do utilizador.

Ao longo deste artigo iremos comparar, ponto por ponto, as vantagens e limitações de próteses auditivas versus amplificadores, analisando fatores como qualidade sonora, personalização, saúde auditiva a longo prazo e custos efetivos. O objetivo é fornecer informação clara e fundamentada para que o leitor possa tomar uma decisão consciente, assente em evidência e não apenas no apelo de se ouvir “mais alto”.

IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO MÉDICA DA SURDEZ

A hipoacusia pode surgir em qualquer fase da vida – desde o período neonatal até à idade geriátrica – e as suas causas são múltiplas: fatores genéticos, infeções congénitas, otite crónica, traumatismos, exposição acumulada a ruído, ototoxicidade, doenças sistémicas com afetação do ouvido, como algumas doenças autoimunes, entre outras.

Clinicamente, a perda auditiva pode ser classificada em três grandes tipos: condução, quando a alteração se localiza no ouvido externo ou médio e impede a transmissão adequada do som; neurossensorial, quando o problema se situa no ouvido interno (cóclea) ou no nervo auditivo; e mista, quando coexistem ambos os componentes. Cada uma destas formas tem implicações diagnósticas, terapêuticas e prognósticas distintas.

Adicionalmente, existe a possibilidade de uma dificuldade na perceção auditiva, apesar de limiares auditivos periféricos aparentemente normais – como é o caso da neuropatia auditiva. Nestes quadros, a perturbação ocorre na transmissão sináptica ou na via auditiva central, exigindo avaliação detalhada e orientação por equipas especializadas em Otorrinolaringologia e Audiologia.

Importa também destacar que a hipoacusia assimétrica – quando há diferença significativa de audição entre os dois ouvidos – deve ser cuidadosamente investigada por Otorrinolaringologia, especialmente se estiver associada a acufeno unilateral (zumbido num só ouvido).

Por outro lado, certas situações, como otites médias crónicas, otosclerose ou malformações congénitas, requerem vigilância clínica e, por vezes, tratamento cirúrgico, e não devem ser negligenciadas com soluções meramente amplificadoras.

Assim, antes de se iniciar qualquer forma de reabilitação auditiva – seja com aparelhos auditivos, amplificadores ou outro tipo de dispositivo – é imprescindível realizar uma avaliação médica otorrinolaringológica e uma bateria de exames audiológicos completos.

REABILITAÇÃO AUDITIVA

A perda auditiva pode impactar negativamente o desenvolvimento infantil e o bem-estar do adulto, afetando a vida escolar, profissional, social e familiar. Quando não há tratamento médico ou cirúrgico, a reabilitação auditiva, por meio de próteses, é essencial.

Historicamente, os aparelhos auditivos evoluíram desde as cornetas acústicas até dispositivos modernos. As próteses passaram de modelos de bolso para tipos mais discretos e confortáveis, como os de uso intra-auricular.

Além disso, houve avanços importantes na qualidade sonora com o uso de tecnologias digitais, que adaptam a amplificação às necessidades do utilizador, filtrando ruídos e prevenindo sons excessivamente altos.

Os aparelhos ou próteses auditivas são dispositivos médicos personalizados compostos por um microfone e um amplificador. Captam o som externo, convertem-no em sinal elétrico, amplificam-no e transformam-no novamente em som, adaptado à perda auditiva do utilizador. Esses aparelhos são ajustados por audiologistas, que realizam uma avaliação audiológica completa e programam o dispositivo para amplificar apenas as frequências afetadas, com controle da intensidade para proteger a audição residual e evitar danos.

Recursos como múltiplos microfones que permitem melhorar a captação do som e a relação sinal/ruído, gestão de feedback, comunicação wireless entre os aparelhos, conetividade Bluetooth e proteção contra humidade melhoraram significativamente a sua utilização.

Também houve avanços em sistemas implantáveis, como implantes cocleares, de ouvido médio e osteointegrados, que proporcionam audição mais natural, conforto e redução de riscos de infeções.

Com esses avanços, a qualidade de vida de pessoas com deficiência auditiva tem melhorado, e o papel do audiologista é fundamental na reabilitação auditiva e na inclusão social destes.

Em contraste, os amplificadores auditivos amplificam todos os sons igualmente, sem considerar o perfil auditivo da pessoa. Não possuem regulação por frequência, podendo causar sobre amplificação e prejudicar a audição, não sendo indicados para pessoas com perda auditiva.

Os aparelhos auditivos são considerados Dispositivos Médicos conforme o Regulamento (UE) 2017/745, sendo sua comercialização sujeita a registo no Infarmed.

A adaptação técnica desses aparelhos é regulamentada a nível europeu e nacional (Decretos-Lei n.º 261/93 e 320/99, Norma ISO 21388:2020), estando restrita a profissionais de saúde qualificados, como os audiologistas.

A seleção e adaptação dos aparelhos insere-se no contexto da reabilitação auditiva e deve ocorrer em estabelecimentos de saúde regulados pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), conforme o Decreto-Lei n.º 126/2014.

VEREDITO

Concluir que as próteses auditivas são, na maioria dos casos, a opção mais vantajosa não é uma questão de marketing, mas de qualidade de vida. Enquanto os amplificadores auditivos podem oferecer um alívio imediato em situações pontuais, fá-lo-ão de forma indiscriminada, ampliando ruídos de fundo, distorcendo frequências e, por vezes, agravando a perda auditiva preexistente.

As próteses, pelo contrário, resultam de um processo clínico: começam com uma avaliação médica e audiológica, seguem para uma prescrição individualizada e culminam numa adaptação progressiva, acompanhada por profissionais que ajustam parâmetros conforme a evolução do utilizador.

Esta abordagem holística traduz-se numa audição mais natural, numa melhor compreensão da fala e numa integração social efetiva, reduzindo o risco de isolamento, depressão e deterioração cognitiva associada à perda auditiva não tratada ou reabilitada.

Além disso, quando analisamos o custo total de posse – que inclui manutenção, durabilidade, ganho funcional e, sobretudo, bem-estar – verificamos que o investimento inicial numa prótese auditiva se dilui ao longo dos anos, compensando amplamente a despesa. Em suma, ouvir não é apenas medir decibéis, é preservar a capacidade de sentir, comunicar e participar.

Escolher uma solução auditiva clínica é optar por viver plenamente, com a certeza de que cada som nos chega com a fidelidade que merecemos.