A evolução tecnológica das últimas décadas revolucionou transversalmente a nossa existência. A relação com os ecrãs de computadores depressa deixou de estar limitada aos espaços de trabalho para invadir a nossa vida pessoal, de relação e social, potenciado com a emergência dos tablets e smartphones.
Artigo da responsabilidade do Dr. Nuno Alves, médico oftalmologista especialista em córnea e cirurgia refrativa
Embora com perfis distintos, a utilização deste tipo de dispositivos cresce rapidamente em todas as classes etárias.
Estudos desenvolvidos em países como o EUA e o Reino Unido revelam que 2/3 dos adultos até aos 50 anos e 40% da população com mais de 60 anos tem um uso superior a 5 horas por dia. As alterações impostas pela pandemia, nos últimos 12 meses, com os vários confinamentos e o teletrabalho vieram, certamente, aumentar dramaticamente esses números.
Mas será que a exposição aos ecrãs prejudica os nossos olhos?
O problema não são os monitores ou os ecrãs, mas sim o tempo que despendemos nessa atividade. A comunidade oftalmológica há muito que conhece os impactos que a exposição elevada aos ecrãs tem sobre o sistema visual – Síndrome Visual dos Computadores. Esta define-se por uma sobrecarga do sistema visual – que é responsável por manter a imagem focada – e pela perturbação do filme lacrimal que protege a superfície dos nossos olhos. A exposição prolongada aos ecrãs pode provocar sintomas visuais e oculares frequentes, mas transitórios, que reduzem o conforto, como: visão turva, dor de cabeça, dor e desconforto ocular, lacrimejo e sensibilidade à luz.
Além disso, vários estudos confirmam que a leitura num formato digital é mais exigente, e provoca um maior impacto sobre os nossos olhos e sistema visual, quando comparada com a leitura em formato papel. Quando estamos atentos na leitura de um ecrã, a nossa frequência de pestanejar reduz para cerca de 1/3 do normal. Sabemos também que, durante a atividade com os ecrãs, pestanejamos mais vezes de uma forma incompleta – isto significa que áreas da nossa superfície ocular não são devidamente lubrificadas.
Pelas razões apontadas, a nossa superfície ocular fica mais seca, influenciando negativamente a visão e o conforto ocular. Um doente com olho seco tem menor margem ou reserva funcional para gerir este impacto. Manifesta sintomas com maior frequência, com maior gravidade e recupera pior de crises instaladas, diminuindo de forma significativa a sua capacidade de trabalho.
Conduzirão essas alterações a danos permanentes?
A exposição aos ecrãs não provoca perda de visão. Sabemos, sim, que pode influenciar negativamente, de forma transitória, a visão e conforto ocular e, consequentemente, diminuir de forma significativa a nossa qualidade de vida.
Quando é que nos devemos preocupar e procurar ajuda? A consulta com o médico oftalmologista deve ser realizada regularmente, em função da idade e/ou de alguma patologia ocular já diagnosticada. Não obstante, o aparecimento de sintomas oculares persistentes e/ou recorrentes deve motivar uma visita ao oftalmologista, de modo a ser diagnosticada a causa do problema e definir-se um plano para o resolver ou atenuar.
É importante reconhecer os sinais e sintomas já descritos e ter uma atitude preventiva e proativa. Podemos reduzir eventuais problemas relacionados com o uso de ecrãs, com medidas simples, intervindo em 2 dimensões: otimizando a nossa capacidade visual e otimizando a forma como usamos os ecrãs.
Em primeiro lugar, é importante que os nossos olhos consigam focar bem e sem esforço a imagem, que é o alvo da nossa atenção. Para isso, é necessário corrigir a miopia, hipermetropia, astigmatismo e a presbiopia (dificuldade de ver ao perto decorrente da perda de acomodação com o envelhecimento do cristalino) usando óculos. Se a atividade é prolongada no tempo, devemos evitar o uso de lentes de contato, pelo stress adicional que provoca na superfície ocular. Por outro lado, pode ser útil obrigarmo-nos a pestanejar conscientemente e, se necessário, a suplementar a lubrificação da superfície ocular com lubrificantes artificiais.
Relativamente à segunda dimensão da nossa intervenção passa por otimizar a ergonomia visual: introduzindo pausas de 5 a 10 minutos a cada hora de atividade, para poder retomar uma frequência de pestanejar normal e permitir uma focagem a outras distâncias, nomeadamente para longe. Isto é possível colocando os ecrãs numa linha inferior à dos nossos olhos (cerca de 15º), ajustando a luminosidade exterior e do ecrã, melhorando o contraste da imagem e eliminando a luz reflexa.
Existe uma clara discrepância entre a velocidade com que mudamos os nossos hábitos e a capacidade de adaptação biológica plena. Este tipo de tecnologias, que são o presente e o futuro, mudaram as nossas distâncias de interação, colocando o foco sobre a visão de perto e visão intermédia, pressionando, por isso, o sistema visual e o olho.
No entanto, podemos otimizar a nossa capacidade visual com medidas simples, preventivas e terapêuticas duma relação potencialmente conflituosa.
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