Falar de saúde é dar as competências cognitivas e sociais para permitir a compreensão, a informação, a promoção e a manutenção de uma boa saúde. Falar de miomas (leiomiomas uterinos) é permitir que a mulher tenha a capacidade de tomar decisões fundamentadas e responsáveis em relação a esta patologia ginecológica altamente prevalente.

Artigo da responsabilidade da Dra. Irina Ramilo. Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Vila Franca de Xira, e do Centro Especializado de Endometriose, do Hospital Lusíadas, em Lisboa; Membro da Direção da Sociedade Portuguesa da Ginecologia; Autora da página @aginecologistadamelhoramiga.

 

 

 

 

 

 

Os miomas uterinos são nódulos pélvicos benignos, que crescem no tecido do útero, com origem nas células musculares lisas do músculo uterino.

PREVALÊNCIA

Sabe-se que há uma relação direta da idade da mulher com a presença de miomas uterinos. Estima-se que os miomas uterinos afetem mais de dois milhões de mulheres em Portugal. A sua verdadeira incidência é desconhecida, dado que muitas mulheres são assintomáticas.

A frequência dos miomas uterinos é alta em mulheres em idade reprodutiva, com uma prevalência de 20-40% nas mulheres com 30 anos e de 70-80% aos 50 anos.

São cerca de 2 a 3 vezes mais prevalente na raça negra, normalmente múltiplos e maiores.

CAUSAS E FATORES DE RISCO

Os miomas uterinos aparecem sem motivo aparente. As causas são multifatoriais: vão desde fatores genéticos, fatores hormonais e de crescimento. O ambiente hormonal é muito importante no seu desenvolvimento, já que após a menopausa param de crescer e começam a reduzir as suas dimensões.

Não existindo medidas comprovadamente eficazes para prevenir o desenvolvimento de miomas uterinos, que parecem ser uma predisposição já inerente, existem alguns fatores de risco descritos, como a idade, a idade precoce da primeira menstruação, ter mãe ou irmã com o mesmo problema, a raça negra, a obesidade, a hipertensão arterial, a alimentação (carnes vermelhas, álcool, cafeína) e nunca ter tido filhos.

LOCALIZAÇÃO

Existem diferentes tipos de miomas e classificam-se consoante a sua localização. Em termos de localização, os miomas podem ser intramurais (crescem na parede do útero e são os mais frequentes), subserosos (crescem na parede exterior do útero) ou submucosos (localizam-se na cavidade uterina/endométrio e tendem a provocar mais perdas de sangue). A sua gravidade define-se pelo seu número, tamanho e localização.

SINAIS E SINTOMAS

Os miomas uterinos são maioritariamente assintomáticos. Em 30-40% dos casos podem ter sinais e sintomas, que vão depender do seu tamanho e da sua localização. Os sintomas mais frequentes são a hemorragia uterina anormal e excessiva, com menstruações muito abundantes e prolongadas, podendo originar anemia. Também podem originar sintomas de compressão pélvica, pelo tamanho dos miomas, e dor pélvica.

A hemorragia uterina anómala e excessiva é o sintoma mais frequente, principalmente sob a forma de hemorragia menstrual abundante. É a sua localização e as suas dimensões que vão determinar o grau da hemorragia, que ocorre pelo aumento da superfície endometrial que sangra, maior vascularização do útero e por não permitir a normal contractilidade vascular e uterina.

MIOMAS E INFERTILIDADE

Uma mulher com miomas uterinos pode engravidar. É difícil estabelecer se a infertilidade estará ou não associada à presença de miomas uterinos. É considerada causa de infertilidade se existirem e não houver outro motivo aparente.

Não se consegue estabelecer o verdadeiro impacto dos miomas na reprodução, numa população de mulheres que engravida cada vez mais tarde, dada a relação inversa da idade com a fertilidade e a relação direta da mesma com a presença de miomas uterinos.

No entanto, os miomas uterinos podem influenciar na fertilidade por poderem interferir na progressão dos gâmetas ou na implantação dos embriões condicionadas pela distorção da cavidade uterina.

Os miomas submucosos (dentro da cavidade uterina) diminuem de forma significativa as taxas de implantação e de gravidez. São nestes miomas que, nos estudos realizados, a miomectomia por método vaginal (histeroscópica), prévia a qualquer tratamento ou gravidez, está comprovada como benéfica.

Se os miomas uterinos implicam um tratamento médico, este impede a ocorrência de gravidez durante a sua instituição, porque inibem a ovulação e estão associadas a alterações hormonais.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico faz-se pela história clínica com os sinais e sintomas descritos pela mulher. O exame pélvico pode permitir identificar miomas porque podem ser visualizados ou palpáveis.

Para a confirmação diagnóstica, realizam-se os exames complementares, como a ecografia pélvica, a ressonância magnética, a histeroscopia ou a histerossonografia.

TRATAMENTO

A repercussão nas diferentes áreas da vida reprodutiva carece, habitualmente, de uma conduta diagnóstica quando o crescimento, volume ou número dos miomas geram sintomas e sinais significativos. A imagiologia (ecografia, fundamentalmente) representa um papel importante na avaliação dessa repercussão clínica e na elaboração de um plano terapêutico. Outros exames (por exemplo, análises) impõem-se igualmente na integração clínica.

O tratamento médico pode controlar sintomas e diminuir o tamanho dos miomas; e o tratamento cirúrgico pode excisar/retirar os miomas.

O risco de recidiva de um mioma uterino é de cerca de 20-30%, dependendo da localização, do número e respetivo tamanho, bem como do sucesso do procedimento cirúrgico.

O tratamento vai, então, desde a não intervenção e vigilância por não haver sintomas, passando pelo tratamento farmacológico para controlo da sintomatologia, até à intervenção cirúrgica mais conservadora ou mais definitiva.

Tratamento farmacológico – O papel do tratamento farmacológico tem-se desenvolvido nos últimos anos, através de recurso a terapêutica hormonal ou não. Os objetivos da terapêutica médica passaram a incluir, não apenas o controlo dos sintomas, mas também a redução dos miomas.

Pode recorrer-se a antifibrinolíticos, anti-inflamatórios não esteroides, venotrópicos, progestativos e estroprogestativos, inibidores da aromatase, análogos da GnRH, moduladores seletivos dos recetores da progesterona e inibidores hipofisários.

Tratamento cirúrgico – O tratamento cirúrgico foi durante muito tempo o tratamento de eleição para os miomas uterinos e continua a  ser uma das principais indicações para retirar o útero (histerectomia).

A histerectomia é, neste contexto, o tratamento com maior eficácia, sobretudo a longo prazo, mas a miomectomia é, em casos específicos, uma abordagem terapêutica não só possível, mas até a mais indicada, seja por laparoscopia, laparotomia (via abdominal clássica) ou via vaginal.

Alternativas terapêuticas – A embolização das artérias uterinas, a sua laqueação e outros tratamentos, como a miólise, constituem alternativas terapêuticas a considerar, embora com indicações muito precisas e estritas, e ainda controversas.

Em relação ao tipo de tratamento é individualizado, dirigido à mulher, ao desejo de fertilidade, à gravidade da sintomatologia, ao tipo, tamanho e localização dos miomas.

Leia o artigo completo na edição de Janeiro 2024 (nº 345)