Confesso: apesar de ser médica infecciologista, e mãe de três jovens adolescentes, continuo a achar que viajar é uma das melhores coisas que podemos fazer por nós. Mas, talvez por defeito profissional, nunca compro bilhetes sem antes passar mentalmente pela checklist que qualquer viajante deveria fazer – aquela que começa semanas antes do aeroporto e que, por incrível que pareça, muitos ignoram. Sim, falo das medidas preventivas e vacinas que devem ser iniciadas 2 a 4 semanas antes da partida, e não na noite anterior, enquanto se tenta fechar a mala em cima do joelho.

Artigo da responsabilidade da Dra. Joana Fernandes. Infecciologista e responsável pela Consulta do Viajante na Affidea

 

Os destinos tropicais e de longa distância têm um encanto especial – praias perfeitas, cidades vibrantes, aventuras irresistíveis – mas vêm acompanhados de riscos muito pouco instagramáveis. Malária, dengue, febre-amarela, infeções gastrointestinais e os efeitos subestimados dos fusos horários e da altitude fazem por vezes parte do pacote. Já tive de explicar aos meus filhos que os mosquitos não tiram férias e que a água transparente nem sempre é tão inofensiva quanto parece. Felizmente, uma preparação adequada reduz de forma significativa o risco de doenças e garante uma viagem mais tranquila. Aliás, a maior parte dos contratempos clínicos em viagem poderia ser evitada com meia dúzia de medidas simples. A ciência agradece, e o estômago também.

Antes de partir para reencontrar família, descobrir novos destinos ou simplesmente desligar do mundo, devemos preparar-nos com a mesma atenção com que escolhemos o hotel com piscina ou o voo com a melhor relação preço/número de escalas. E aqui entra um dos aspetos que mais reforço na minha prática: cada viagem é única – e cada viajante também.

O meu sistema imunitário não é igual ao seu, e os três sistemas imunitários cá de casa têm personalidades próprias: um reage a tudo, outro não reage a nada, e o terceiro faz o que lhe apetece. Esta diversidade é exatamente o que torna o aconselhamento pré-viagem tão importante.

Não existe um plano universal. Há destinos que exigem vacinas específicas, outros obrigam a profilaxia da malária, outros apenas pedem que o viajante seja prudente com a alimentação, a água e o sol. Há também quem precise de ajustar a medicação habitual ao fuso horário – e quem subestime completamente o impacto do jet lag, até estar à frente de um prato de caril às três da manhã.

A Consulta do Viajante é muito mais do que um carimbo no boletim de vacinas. Nela revemos riscos específicos, discutimos estratégias práticas para evitar picadas de mosquitos, falamos sobre segurança alimentar. hidratação, altitude, exposição ao calor e hábitos saudáveis que devem acompanhar o viajante para onde quer que vá. É também o momento ideal para planear a logística da medicação habitual, algo especialmente relevante para quem — como eu — viaja com uma pequena farmácia familiar às costas.

Ao longo dos anos, percebi que a boa preparação transforma viagens. Evita febres inesperadas, elimina surpresas desagradáveis, facilita noites de sono decente e dá ao viajante a liberdade de aproveitar o destino em vez de procurar farmácias. A prevenção não estraga o espírito aventureiro; pelo contrário, liberta-o.

No fundo, o que procuro transmitir – como médica, viajante e mãe – é simples: cuidar da saúde antes de embarcar é a forma mais eficiente de garantir boas memórias. A medicina do viajante existe para isso mesmo: para assegurar que, na volta, trazemos apenas fotografias, histórias e ímans… e nunca uma infeção exótica como recordação.

E agora, se me dão licença, vou planear a próxima escapadinha em família: verificar vacinas, calcular fusos horários e respirar fundo, porque viajar com crianças é sempre uma aventura.