Artigo da responsabilidade da Dra. Sofia Gabriel e do Dr. Mauro Paulino, psicólogos na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, Revisores Técnicos da Edição Portuguesa do livro “A Mensagem das Lágrimas – Guia para Lidar com o Luto”.
Ao longo do ciclo da vida, o ser humano é confrontado por inúmeras perdas – perdas por morte, como o luto pela morte de uma pessoa amada; perdas sentimentais, como o fim de uma relação amorosa; perdas materiais, como a perda da casa de família; ou perdas vitais, como a perda da saúde e da juventude, ao longo do processo de envelhecimento.
Contudo, nenhuma perda é tão assustadora como a morte.
Apesar de a morte se destacar como um fenómeno natural que integra o ciclo da vida, o processo de luto pela morte de um ente querido pode ser uma das experiências mais violentas e traumáticas da história de vida de uma determinada pessoa.
Um fator que nos impede, em parte, de reconhecer o impacto de um processo de luto na saúde mental é o estigma social. Não raras vezes, o sofrimento é desvalorizado e silenciado por aqueles que rodeiam a pessoa em luto. São comuns argumentos como “a vida é mesmo assim”, funcionando como uma espécie de pressão social para as pessoas em luto reprimirem o seu sofrimento e existir uma “conspiração do silêncio”.
Por processo de luto entende-se a adaptação a um mundo sem a pessoa perdida e, inevitavelmente, sem tudo aquilo que ela nos proporcionava. Isto significa que existe uma perda primária, a qual corresponde à perda da pessoa amada e, por sua vez, inúmeras perdas secundárias, como a perda das rotinas partilhadas, das conversas, do abraço e do toque físico, do colo emocional que apenas essa pessoa nos sabia dar – enfim, podemos admitir que a frase “uma perda nunca vem só” tende a ser verdadeira.
Dependendo das circunstâncias da morte, as pessoas em luto são invadidas por uma enorme tristeza, zanga, sensação de injustiça (“porquê eu e a minha família?”), impotência e/ou de um enorme vazio (“é como se eu me sentisse amputada, como se faltasse uma parte de mim, que ele levou com ele”). Por vezes, surge a ideação suicida (pensamentos sobre a morte, a vontade de morrer, o suicídio), pois a dor é tão avassaladora que a pessoa não perceciona esperança em relação ao futuro e, inclusive, pode ter medo de enlouquecer. Um elemento que fomenta este sofrimento é a presença de sentimentos de culpa e os assuntos pendentes (tudo o que ficou por dizer e fazer, desde um pedido de desculpas a casar e ter filhos – ou seja, o luto pela perda do presente, como as rotinas e o luto do futuro não vivido, dado que os planos já não vão ser concretizados).
Por vezes, a pessoa sente que não consegue ter uma rotina: é invadida por pensamentos acerca da morte, os quais podem incluir imagens traumáticas relativas ao momento da perda, ao último adeus, à imagem do outro já sem vida.
A dor também é sentida no corpo, desde o aperto no peito, à sensação de falta de energia, dificuldade em dormir ou vontade de ficar na cama o dia todo, recorrer à comida como “estratégia compensatória” ou perder todo o apetite. Inclusive, existem riscos para a saúde física que já tem vindo a ser apontados pelas investigações do luto, como um risco de doenças cardíacas ou de cancro (dado que saúde física e mental caminham lado-a-lado, de mãos dadas).
Desta forma, ao longo dos anos, a ciência psicológica, tem vindo a destacar os riscos da vivência de uma perda para a saúde mental, nomeadamente um risco elevado de depressão, ansiedade, perturbação do stress pós-traumático e perturbação do luto prolongado.
Naturalmente que cada processo de luto é único e os riscos mencionados anteriormente encontram-se associados a elementos como o nível de proximidade e intimidade emocional com a pessoa perdida (quanto maior a proximidade, maior o vazio da perda e o sofrimento carregado pela pessoa em luto), a fase do ciclo da vida em que a perda acontece e as circunstâncias da morte.
Quanto às circunstâncias da morte, destacam-se quatro tipos de processos de luto, designadamente: luto inesperado, luto antecipatório, luto desautorizado e luto ambíguo.
Um processo de luto inesperado remete para quando a pessoa é surpreendida por uma perda inesperada, por exemplo aquando de um acidente automóvel, desastre natural ou um assalto. O risco de não existir um momento de despedida é elevado, o que aumenta o risco de patologia.
Por oposição, um luto antecipatório é aquele que ocorre antes da perda real de uma pessoa, a qual se encontra em ameaça progressiva de morte (por exemplo, no contexto de doenças crónicas, cuidados paliativos) Este integra um sofrimento prolongado e uma ansiedade intensa que controlam o quotidiano. Ainda que estas circunstâncias possibilitem um período de preparação para a perda e procura de apoio, tendem a estar associadas a processos de negação.
Por luto desautorizado entende-se o processo de luto por perdas estigmatizadas, como uma perda gestacional ou de um animal de companhia perda. Encontra-se associado a um baixo suporte social, em que a pessoa é silenciada e o sofrimento desvalorizado pelo que os rodeiam.
O luto ambíguo acontece com perdas em que não existe contacto/reconhecimento do corpo da pessoa perdida, como histórias de pessoas desaparecidas (“será que está viva?”, “e se não fosse ele a ir naquele caixão?”).
Outros fatores de risco para a saúde mental remetem para a existência de uma “bagagem emocional pesada”, isto é, um historial de traumas, perdas, depressão; ou para a falta de apoio emocional ou a incapacidade de encontrar um significado.
Não está sozinho, procure ajuda psicológica especializada. Na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, existe a consulta de apoio no luto, em modalidade online ou presencial, na qual encontra um espaço seguro para expressar as suas emoções, identificar estratégias para gerir a dor, encontrar rituais do luto para manter a pessoa perdida presente na sua vida, aprender a gerir as diferenças familiares na expressão da dor – tudo o que fizer sentido, inclusive, voltar a encontrar-se a si próprio, após esta experiência traumática. Caso ainda não se sinta preparado, comece pela leitura da obra “A Mensagem das Lágrimas: Guia para lidar com o luto” (2023), da PACTOR.
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