A diabetes mellitus (DM) é uma doença com grande prevalência em todo o mundo e também em Portugal. Os últimos estudos realizados indicam que temos cerca de 13% de prevalência da DM, sendo que metade destas pessoas desconhecem que estão afetadas pela doença. Em Portugal, temos uma das mais altas da Europa.

O nosso compromisso como profissionais de saúde é que menos pessoas sofram as complicações da DM. Para tal, a compreensão da fisiopatologia da DM como uma doença progressiva é a base para otimização terapêutica.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Sónia Gonçalves. Assistente Hospitalar de Medicina Interna; coordenadora da Unidade de Cuidados Intermédios; coordenadora da Consulta de Diabetes de Obesidade – Hospital CUF Santarém. Aluna do doutoramento na UBI (projeto de investigação na área da obesidade e tecido adiposo).

 

Na diabetes tipo 1 (DM1) há uma falência total do funcionamento do pâncreas em produzir insulina, sendo que o tratamento assenta no aporte desta hormona de forma exógena, ou seja, administração de insulina cronicamente pelo doente.

Por outro lado, a diabetes tipo 2 (DM2) assenta numa falência progressiva do pâncreas em produzir insulina, logo o tratamento depende da quantidade de insulina residual que o organismo consegue produzir. É considerada uma doença inexoravelmente progressiva, o que significa que virtualmente todos os doentes acabarão por necessitar de insulina para controle da glicemia, se viverem tempo suficiente. No entanto, tem havido uma mudança dessa perspetiva à medida que novos fármacos são criados e introduzidos no mercado.

O próprio algoritmo do tratamento da DM2 prevê o início da insulinoterapia quando a combinação de vários fármacos não permite um controle glicémico satisfatório. Esta decisão deve ser partilhada com o doente, embora constitua sempre um desafio para o médico, em particular perante uma população muitas vezes com baixa literacia, pouco informada, indiferenciada e com baixos recursos económicos, como é, ainda, frequente em Portugal.

Assim torna-se premente desmistificar a terapêutica com insulina, afastar ideias preconcebidas e ensinar as pessoas com DM a vencerem os obstáculos que esta medicação impõe e a identificarem os mitos inerentes à insulina, dos quais destaco:

  • Sentimento de culpa. A DM é uma doença progressiva e eventualmente poderão vir a necessitar de insulina quando os antidiabéticos orais não são suficientes para controlar a glicose no sangue.
  • A insulina é o fim de linha. Efetivamente, a insulina é usada quando a restante terapêutica deixa de ser suficiente para controlar os níveis de glicémia. Porém, o seu uso pode até ser transitório, como é o caso de doenças agudas, internamentos ou contraindicações para o uso de antidiabéticos orais. O importante é ter os níveis de glicemia controlados para prevenir complicações e aumentar a esperança de vida com qualidade.
  • A insulina engorda. De facto, muitas pessoas sob insulinoterapia ganham peso sendo que parte da justificação está no facto de facilmente ajustar os valores de glicose no sangue através da insulina, pelo que há alguma falta de cuidado na alimentação do dia a dia. Manter uma alimentação saudável sob orientação clínica e com apoio de nutricionistas ajudará a combater o excesso de peso.
  • As injeções são dolorosas. É verdade que ninguém gosta de injeções, mas de facto as agulhas da insulina são muito pequenas e finas. É importante usar um tamanho de agulha ajustado à pessoa, nem demasiado pequeno nem demasiado grande, pois isso interfere no desconforto da picada.
  • Medo da rejeição pelos pares. O estigma associado à doença é uma realidade que se combate com a naturalidade da administração do tratamento. As novas canetas de administração de insulina são muito práticas e discretas, permitindo grande facilidade no transporte e utilização.
  • Medo das hipoglicemias. A insulina é o fármaco hipoglicemiante mais potente, porém, com o aparecimento de novas formulações de insulina estes efeitos são cada vez menos comuns, sendo que a correta titulação e acompanhamento pelos profissionais de saúde são de extrema importância. Durante este século de existência da insulina, assistiu-se a uma grande evolução da qualidade da mesma, nomeadamente no que diz respeito à sua estabilidade, tempos e duração de ação e à tecnologia atualmente disponível para que, no tempo mais real possível, se possa atuar da melhor maneira para controlar a glicemia do momento e das horas seguintes.
  • Medo da alteração do estilo de vida. Mesmo com a introdução da insulina, a pessoa com DM pode continuar a fazer a sua vida normalmente. Exige planeamento, quer para o dia a dia quer para fazer viagens. Muitas pessoas ao iniciarem insulina sentem-se com mais energia, mais positivas acerca delas próprias e com mais liberdade. Após começar insulina muitos perguntam-se porque esperaram tanto tempo!

Em suma, com 100 anos de existência, o tratamento com insulina é muito importante para manter a diabetes controlada. Como qualquer terapia, a melhor opção depende do objetivo terapêutico, da eficácia dos medicamentos e da adesão à medicação. A educação terapêutica assume aqui um papel fundamental para ajudar a desmistificar todos os medos, mitos, crenças inerentes à medicação com insulina.

Cada vez mais os doentes diabéticos, com uma melhor educação para a saúde, adoção de estilos de vida mais saudáveis, apoiados pelas novas tecnologias de monitorização de parâmetros vitais e biométricos, conseguem viver mais anos e com melhor qualidade de vida, aproximando-se dos valores para a população não diabética.