A malária é uma doença devastadora causada pelo parasita Plasmodium. Após a picada de
um mosquito infetado, os parasitas viajam para o fígado e infetam as células hepáticas. Esta fase da infeção não tem qualquer sintoma.

Agora, um novo estudo conduzido por Maria Manuel Mota, investigadora principal e diretora executiva do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM, Portugal), e Shalev Itzkovitz, investigador principal no Weizmann Institute of Science (Israel) e recentemente publicado na prestigiada revista científica Nature, descobriu pela primeira vez que o resultado da infeção pelo parasita da malária está ligado à localização espacial das células infetadas no fígado. Este atlas da fase hepática da infeção da malária é crucial para encontrar formas terapêuticas de resolver a infeção nesta fase assintomática, impedindo o desenvolvimento da doença.

Os cientistas, em Portugal e Israel, rastrearam a infeção por Plasmodium no fígado,
observando a localização dos parasitas ao longo do tempo e foram capazes de criar um atlas da infeção do fígado através da aplicação de uma abordagem inovadora.

“O fígado é formado por milhares de lóbulos. Os lóbulos são grupos de células que se organizam em forma de hexágonos. Descobrimos que o resultado da infeção é diferente dependendo da zona dos lóbulos infetados pelos parasitas da malária. Os parasitas desenvolvem-se mais rapidamente e sobrevivem melhor nas regiões mais próximas do centro destes lóbulos em forma de hexágono”, afirma Shalev Itzkovitz, co-líder do estudo, sobre as principais conclusões deste trabalho.

Representação dos caminhos tomados no fígado pelos parasitas Plasmodium, que causam malária. Créditos: Helena Pinheiro, iMM.

A equipa de investigação analisou os genes ativos das células do fígado e dos parasitas em diferentes momentos após a infeção, utilizando ratinhos como modelo. Uma vez que os genes ativos nas células do fígado dependem da sua localização, os investigadores conseguiram acoplar cada parasita à sua localização no fígado e reconstruir o seu percurso ao longo do tempo da infeção. “Encontrámos um grupo de parasitas localizados na extremidade dos lóbulos que não são capazes de desenvolver uma infeção”, continua Shalev Itzkovitz.

“Chamamos a estas células do fígado onde os parasitas não são capazes de desenvolver uma infeção ‘células hepáticas abortivas'”, acrescenta Maria Manuel Mota, investigadora principal no iMM e co-líder do estudo. “É quase como se estas células fossem hostis aos parasitas e os parasitas tivessem de “abortar a missão”. Descobrimos que a resposta imunitária que estas células são capazes de promover em resposta aos parasitas é diferente das restantes”, explica.

A fase hepática da infeção por malária é difícil de estudar devido à heterogeneidade do fígado. “Há 20 anos que estudo a fase hepática da malária e este estudo é um ponto de viragem. Agora temos informação de como as células do fígado e os parasitas Plasmodium se comportam durante a infeção, no tempo e no espaço. Esta informação vai abrir o caminho para a nossa investigação futura. Podemos utilizar as vulnerabilidades do Plasmodium que encontramos neste estudo para tentar desenvolver formas de eliminar a infeção na fase hepática, que é assintomática”, diz Maria Manuel Mota.