Henedina Antunes, pediatra e investigadora do Life and Health Sciences Research Institute, da Universidade do Minho, alerta que o uso abusivo pode levar à resistência aos antibióticos, além de estar relacionado com o aumento de prevalência de doenças autoimunes, alérgicas e obesidade. Sublinha que a maioria das típicas infeções do inverno é provocada por vírus e que, por isso, não precisa de antibiótico. “Se fosse ministra da saúde, punha terra com plantas em todos os infantários”, para ajudar a microbiota das crianças que não contactam com a natureza.
A propósito de mais um Dia Europeu do Antibiótico, que se assinala a 18 de novembro, para chamar a atenção para a consciencialização do uso responsável dos antibióticos, Henedina Antunes, pediatra no Hospital de Braga e professora de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade do Minho, alerta que “há uma prescrição excessiva de antibióticos nas crianças em todo o país” e deixa recomendações sobre a utilização deste tipo de medicamento, que pode ter impactos negativos e irreversíveis na saúde a longo prazo.
“Nas crianças não é apenas nos cuidados de saúde primários e nas urgências hospitalares. É na observação de qualquer criança, no público ou no privado, em consultas ou no internamento, predominantemente, se a observação for de criança com febre. Mas é preciso sublinhar que esta é uma realidade que acontece também na Europa e no mundo. Apesar de tudo, considero que Portugal, neste aspeto, tem vindo a melhorar, e é um dos países com melhor tratamento em saúde”, refere a especialista, que é ainda investigadora no Life and Health Sciences Research Institute, da Universidade do Minho.
Henedina Antunes explica que “a maioria das infeções nas crianças são de etiologia vírica, ou seja, são infeções provocadas por vírus, por isso, a maioria das febres/infeções na criança não precisa de antibiótico”. Na sua opinião, se a criança tiver febre, 38,5º C ou febre elevada, 40º C, e tiver menos de três meses, não tiver rinorreia (congestão nasal) ou outros sinais de vírus, deve colher análises para não lhe ser dado antibiótico sem necessidade, porque altera a microbiota intestinal e pode determinar risco acrescido de doenças na sua vida futura.
Além disso, o uso de antibióticos, mesmo quando é necessário e prescrito na dose correta pelo médico, pode ter como efeito secundário indesejado a diarreia na criança, pelo que é recomendado associar um probiótico com estirpes resistentes ao tratamento com antibiótico, para prevenir o aparecimento da diarreia ou para melhorar caso esteja já com diarreia pós-antibiótico, para apoiar a recuperação da microbiota intestinal.
Refere ainda que, em caso de gastrenterite aguda não deve ser dado antibiótico, a não ser que seja causada pela bactéria Campylobacter jejuni, acompanhada de diarreia com sangue, que pode, excecionalmente, precisar desta terapêutica. “Na minha longa vida clínica só por duas vezes precisei dar antibiótico a gastrenterite aguda bacteriana”, frisa a médica. E acrescenta: antibiótico apenas se Streptococus positivo, em pedido de zaragatoa da orofaringe em clínica de amigdalite aguda. Clarifica que, se a criança tiver febre e na colheita de sangue tiver leucocitose com neutrofilia e proteína C reativa elevada, “o médico deve verificar se é uma amigdalite bacteriana, otite bacteriana, uma infeção urinária, uma pneumonia, uma sépsis, uma meningite bacteriana e, nesse caso, precisa de antibiótico”.
O inverno é a altura do ano em que há mais procura de assistência para doenças associadas ao frio, como constipações, gripes, faringites, laringites ou bronquiolites. Pode haver a tentação de reagir por excesso ou por pressão dos pais. No entanto, Henedina Antunes afirma que “os pais estão agora mais informados e que muitos já preferem que os médicos indiquem o paracetamol para baixar a febre em vez de antibiótico”. Além disso, frisa que “o antibiótico não baixa a febre de infeções víricas”. A seu ver, a utilização de antibiótico sem análises, para proteção do risco do médico, não é a prática comum no Serviço Nacional de Saúde. “Já segui crianças durante anos que não fizeram nenhum antibiótico, desde o nascimento até terminar a adolescência, ou apenas uma vez, por amigdalite bacteriana”, revela.
A especialista alerta que o uso de antibioticoterapia sem necessidade “coloca em risco o planeta e a disponibilidade de antibióticos para infeções bacterianas graves”, criando resistência ao antibiótico. Explica que o uso inadequado também se associa ao aumento de problemas do aparelho digestivo e a doenças autoimunes e/ou alérgicas ou obesidade, devido a alterações na microbiota intestinal.
Tirar as crianças da “redoma de vidro”
“Costumo dizer que se fosse ministra da saúde, punha terra com plantas em todos os infantários do país, e esta afirmação tem tudo a ver com a microbiota. A Pediatria tem de usar o conhecimento preventivo da saúde das crianças para que elas possam viver até aos 100 anos com qualidade de vida. Comer comida não processada, lavar as mãos, não estar numa redoma de vidro, ou seja, ter contacto com outras crianças e com a natureza. Ter vitamina D (30 minutos, duas vezes por semana de sol na pele), fazer duas porções de cálcio do primeiro ano de vida até aos 8 anos, e três porções de cálcio dos oito aos 28 anos – 1 copo de 200 ml de leite=1 iogurte=20/30g de queijo. Porquê? A prevenção da osteoporose faz-se na pediatria!”, alerta a médica.
Henedina Antunes salienta que “as mães que amamentam os filhos exclusivamente, até aos 6 meses de vida, estão a dar uma herança em saúde”, e acrescenta, em tom de brincadeira, que “a herança monetária vai ser dada pelo pai.”
A médica lembra que existem estudos que mostram como a utilização inadequada e abusiva dos antibióticos pode ser prejudicial a médio e longo prazo. “Um estudo multicêntrico do Minho revelou uma prevalência de doença inflamatória intestinal em pediatria sete vezes mais elevada. O uso excessivo de antibióticos, sobretudo em recém-nascidos e lactentes pode ser uma das causas deste aumento. Acrescenta que esta subida está ligada não só ao uso incorreto de antibióticos, como ao consumo de comida processada, às brincadeiras com computadores ou telemóveis em casa, em detrimento do contacto com a natureza, o que favorece outras doenças, como as autoimunes, alérgicas e a obesidade, por alteração da microbiota intestinal”. Acrescenta que ainda que, na pandemia o uso de máscara fez baixar as infeções víricas, mas fez aumentar a gravidade das doenças autoimunes. Além disso, a especialista em gastrenterologista pediátrica revela que, durante a pandemia, teve mais doentes com lesões do esófago, estômago e duodeno na doença de Crohn do que antes do aparecimento da pandemia.
Para concluir, Henedina Antunes reforça que o uso de antibióticos não é indicado para infeções provocadas por vírus e recomenda que, quando as crianças adoecem com as típicas doenças associadas aos meses de frio, deve evitar-se o contágio aos avós, cuja saúde é, regra geral, mais frágil devido à idade.
No âmbito da prevenção, em particular para a bronquiolite, lembra que já existe uma vacina para o vírus sincicial respiratório (VSR). “Temos vacinas que melhoraram o número de infeções bacterianas graves. Quando iniciei a minha atividade em Pediatria aparecia uma criança com meningite por semana. Com o aparecimento das vacinas contra o pneumococo, o meningococo, o Haemoplylus influenzae, por vezes, passo um ano sem ver crianças com meningite bacteriana”.
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