A dificuldade no controlo da saliva é uma característica associada a certas alterações neurológicas. Conheça os vários tipos de intervenção possíveis, bem como algumas estratégias práticas para o dia a dia.

Artigo da responsabilidade de Dr. David Nascimento, Terapeuta da Fala na Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson; 

Dra. Margarida Ravara, Terapeuta da Fala do Projeto Crescer a Comunicar e Clínica Rio

A saliva tem um papel fundamental na saúde oral, na função alimentar e na fala. Ajuda na lubrificação da cavidade oral e tem um papel antibacteriano. No período de alimentação, a saliva contribui para a perceção gustativa, facilita o processo de mastigação e ajuda na formação do bolo alimentar para que este seja deglutido (engolido). Quando falamos, a saliva auxilia nos movimentos dos lábios, língua e bochechas, que são estruturas essenciais para a articulação das palavras.

A produção de saliva é ativada por ação neurológica, sendo que o cérebro envia sinais às glândulas salivares. Destacam-se três principais pares de glândulas salivares – parótida, submandibular e glândulas sublinguais – e, ainda, glândulas menores localizadas na mucosa oral e faríngea. A saliva é produzida de forma constante e composta por 99% de água.  Após a sua produção, é deglutida (engolida) por reflexo.  Em média, o volume diário de produção de saliva é de um litro.

O processo de alimentação proporciona um aumento da secreção salivar. O sabor e o odor dos alimentos, bem como a biomecânica da mastigação favorecem esse aumento. A viscosidade da saliva adapta-se mediante as propriedades dos alimentos.

QUAIS SÃO AS CAUSAS?

Nos indivíduos com alterações neurológicas, como a paralisia cerebral, síndromes raras, doença de Parkinson, esclerose lateral amiotrófica (ELA) e após um acidente vascular cerebral (AVC), podem existir dificuldades no controlo da saliva. É comum associar o excesso de saliva à hiperprodução, contudo nem sempre é esta a causa. Em muitas doenças neurológicas, esse excesso pode estar relacionado com alterações na deglutição, no controlo oral, sensibilidade orofacial, entre outros. A frequência das deglutições automáticas da saliva pode diminuir, o que leva à acumulação de saliva na cavidade oral. As alterações na motricidade das estruturas orofaciais, como lábios, língua, bochechas, entre outras, podem dificultar o controlo da saliva. Serve como exemplo a alteração na capacidade de encerramento labial, que pode potenciar o escape da saliva pela boca. Quando a sensibilidade se encontra diminuída, o indivíduo pode, também, ter dificuldades em percecionar a saliva.

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS?

O excesso de saliva pode ter consequências ao nível da saúde e da qualidade da vida. O risco de irritação cutânea na região dos lábios e pele em redor é maior. Nas alterações neurológicas, muitos dos casos de excesso de saliva estão também associados a alterações de motricidade orofacial e de deglutição. Neste sentido, o risco de entrada da saliva para a via respiratória é maior, o que potencia infeções respiratórias, como pneumonias. Para além disso, o excesso de saliva pode provocar desconforto, bem como dificultar a fala, o processo de mastigação e o sono. A perda de saliva e a necessidade constante de limpar a boca podem conduzir ao isolamento. A queda de saliva pode, ainda, implicar o uso de lenços ou babetes, no caso das crianças, ou mudanças de roupa. Os brinquedos ou outros objetos manuseados por crianças são, muitas vezes, levados à boca ou para junto da cara, pelo que podem ficar com saliva, implicando uma higienização frequente dos mesmos.

QUE TIPO DE INTERVENÇÕES EXISTEM?

Existem vários tipos de intervenção que variam consoante a doença e a severidade. A intervenção do terapeuta da fala nesta área centra-se na melhoria da funcionalidade da deglutição de saliva. Poderá ser realizado um trabalho ao nível da amplitude, precisão, coordenação, velocidade, força e sensibilidade das estruturas orofaciais. A atuação poderá ser complementada por outros recursos, tais como a aplicação de bandas neuromusculares, eletroestimulação, crioterapia (estimulação térmica fria), entre outros.

Para além da atuação especializada da Terapia da Fala, existem outras intervenções que podem ser implementadas. O recurso a aspiradores de saliva/secreções manuais ou eletrónicos pode ser uma solução rápida, embora sem efeitos a longo prazo.

A terapia farmacológica é outra alternativa, sendo que medicamentos anticolinérgicos podem reduzir a produção de saliva. Existem, também, intervenções mais invasivas, como a injeção de toxina butolínica e/ou radiação (radioterapia) nas glândulas salivares.  A intervenção cirúrgica que envolve a remoção das glândulas salivares pode também ser a solução em alguns casos.