Dor no estômago, sensação de enfartamento, saciedade precoce ou inchaço abdominal são alguns sintomas comuns de uma perturbação digestiva pouco conhecida, que dá pelo nome de dispepsia funcional.
O facto de muitos dos doentes não responderem à medicação clássica (antiácidos, procinéticos, neuromoduladores, entre outros) tem levado os investigadores a procurarem abordagens eficazes e com menos efeitos adversos. O investigador belga Tim Vanuytsel tem apostado num caminho pouco explorado que coloca a microbiota como alvo terapêutico. E num estudo que combina dois tipos de bactérias probióticas, alcançou resultados promissores que alteram o paradigma na resposta a estes doentes.
De acordo com o investigador e professor associado da Universidade de Leuven, na Bélgica, a dispepsia funcional afeta quase 1 em cada 10 pessoas no mundo, sobretudo mulheres, fumadores e consumidores de anti-inflamatórios não esteroides (como o ibuprofeno ou cetoprofeno).
Embora seja um distúrbio digestivo caracterizado por dor ou desconforto crónico centrado na zona do estômago, sabe-se que envolve, em particular, alterações ao nível do duodeno e na comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro.
“A dispepsia afeta muito a qualidade de vida. Estes doentes sentem mais stress e ansiedade e mostram alterações no trato gastrointestinal, nomeadamente na microbiota, na motilidade e na permeabilidade intestinal, com infiltração aumentada e inapropriada de mastócitos e eosinófilos (células de defesa do sistema imunitário)”, refere Tim Vanuytsel.
O investigador acredita que o duodeno é o centro patofisiológico da dispepsia e os estudos mais recentes apontam neste sentido. Uma investigação recente detetou a diminuição de Porphyromonas e Neisseria em doentes com dispepsia, versus grupo de controlo, e uma diminuição de Porphyromonas inversamente correlacionada com o aumento dos sintomas e de eosinófilos. “Pensamos que o microbioma do duodeno ativa o sistema imunitário, levando a sintomas relacionados com a motilidade gástrica”, explica o gastrenterologista belga.
Um outro estudo identificou alterações diferentes, nomeadamente um aumento de Streptococcus e diminuição de Prevotella, em comparação com o grupo de controlo. Porém, conforme salientou o especialista, alguns doentes estavam a ser tratados com inibidores da bomba de protões (IBPs), que estão entre os fármacos mais prescritos pela sua eficácia e perfil de segurança, mas que a longo prazo alteram a microbiota duodenal.
Novo alvo terapêutico a partir da microbiota é promissor e seguro
Para Tim Vanuytsel, “a microbiota deve ser o novo alvo terapêutico no tratamento da dispepsia”, nomeadamente através da combinação de duas bactérias probióticas produtoras de esporos e, por isso, capazes de resistir à acidez do estômago: as Bacillus coagulans MY01 e Bacillus subtilis MY02. Num estudo randomizado e duplamente cego, em que o investigador participou, um grupo de doentes recebeu uma combinação destas duas bactérias ou placebo. Foram ainda incluídos indivíduos com e sem terapêutica concomitante com IBPs.
Tim Vanuytsel destaca que a resposta clínica foi maior com probióticos do que com placebo (48% vs. 20%) após 8 semanas, independentemente de estarem a fazer terapêutica com IBPs. O grupo das bactérias probióticas teve menos sintomas de dor e ardor no estômago e menos sensação de enfartamento e saciedade precoce. Após 16 semanas, os investigadores chegaram a resultados ainda mais expressivos: redução de marcadores inflamatórios e aumento da diversidade microbiana nos doentes que receberam as Bacillus coagulans MY01 e Bacillus subtilis MY02.
O investigador e especialista em Gastrenterologia conclui que “o microbioma e o duodeno podem representar novos alvos terapêuticos através do uso de probióticos em doentes com dispepsia funcional, particularmente probióticos produtores de esporos, uma abordagem até agora pouco explorada”.