Uma equipa internacional de investigadores revela detalhes estruturais de uma peça importante para a patogenicidade da bactéria que provoca a tuberculose. O estudo pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias que aumentem a eficácia de antibióticos já existentes ou até levar à criação de novas terapias.

A tuberculose é a segunda doença infeciosa mais mortal do mundo causada por um único agente patogénico, ultrapassada apenas pela COVID-19 durante a recente pandemia. Todos os anos, mais de 10 milhões de pessoas adoecem e 1,3 milhões morrem por causa desta doença. Esta situação é agravada pelo aparecimento de estirpes de Mycobacterium tuberculosis, o agente causador da doença, resistentes a um ou mais antibióticos, o que torna urgente o desenvolvimento de novas terapias.

Mas o que torna esta bactéria tão resistente? Um dos principais fatores é o seu envelope celular, uma estrutura única que a envolve e que atua como um escudo contra vários antibióticos e defesas do nosso sistema imunitário. É por isso que o envelope celular tem despertado tanto interesse entre os investigadores como alvo para o desenvolvimento de novas terapias contra a tuberculose.

Num estudo recente publicado na Nature Communications, uma equipa internacional com investigadores do ITQB NOVA revelou a estrutura tridimensional da Arabinofuranosiltransferase (AftB), uma proteína envolvida na síntese de componentes que mantêm a integridade do envelope celular de M. tuberculosis. Apesar da sua importância, até à data os mecanismos estruturais e funcionais da AftB eram pouco conhecidos.

Dra. Margarida Archer

Com recurso a criomicroscopia eletrónica (cryo-EM), uma técnica galardoada com o Prémio Nobel da Química em 2017, a equipa mapeou a estrutura desta proteína em detalhe. “Descobrimos que a AftB tem uma cavidade distinta, irregular e em forma de tubo que permite a interação entre os dois substratos, moléculas de que necessita para desempenhar a sua função”, explica a Dra. Margarida Archer, líder do laboratório de Cristalografia de Proteínas Membranares do ITQB NOVA e coautora do estudo.

Inibir a síntese dos componentes do envelope celular já se revelou eficaz, por exemplo, com o medicamento de primeira linha contra a tuberculose, etambutol. “Embora sejam necessários mais estudos para explorar se a cavidade da AftB é um bom alvo terapêutico, esta caracterização da estrutura da proteína e das suas interações estabelece as bases para o desenvolvimento de novos fármacos”, avança o Dr. José Rodrigues, investigador do ITQB NOVA e coautor do artigo.

Superfície da proteína AftB (verde) determinada por microscopia eletrónica. A imagem ilustra o seu centro ativo com um substrato ligado. Créditos: ITQB NOVA.

Este trabalho insere-se num esforço contínuo de um consórcio internacional com a participação do ITQB NOVA e coordenado pelo Centro Médico da Universidade de Colômbia (EUA), que tem vindo a desvendar, de forma sistemática, a estrutura das arabinofuranosiltransferases em micobactérias. Desde 2020 o consórcio já publicou três estudos em revistas de referência, como Nature Communications, Molecular Cell e Processes.

Dando continuidade a essa linha de investigação, os investigadores estão agora “a analisar mutações na AftB que possam estar relacionadas com a resistência a antibióticos, bem como ao estudar enzimas relacionadas, como a AftA e a AftD, para compreender os seus mecanismos de ação”, explica Margarida Archer. Paralelamente, a equipa está a recorrer a estratégias computacionais para identificar medicamentos já existentes no mercado que possam ser reaproveitados no combate à tuberculose.

Ao esclarecer um dos mecanismos mais vitais para a resistência e patogenicidade da bactéria, esta investigação abre novas e promissoras possibilidades para combater uma das doenças infeciosas mais mortais do mundo.