A esquizofrenia é, provavelmente, a doença mais limitante e mais estigmatizante da psiquiatria.

Artigo da responsabilidade do Dr. Henrique Prata Ribeiro. Médico psiquiatra no Hospital Beatriz Ângelo. Coordenador da Estrutura para a Saúde Mental da Região Autónoma dos Açores

 

 

 

 

 

Com formas de apresentação diversas e com manifestações de doença que, muito provavelmente, serviram para cunhar as primeiras definições de “loucura”, a esquizofrenia é classicamente caracterizada por aquilo a que se chamam os seus sintomas positivos. Estes, que representam quebra de contacto com a realidade – psicose –, são os delírios e as alucinações.

DELÍRIOS E ALUCINAÇÕES

Para explicar de uma forma que seja simples de compreender, um delírio é uma crença inabalável, que não cede à argumentação lógica e que não é enquadrável no contexto cultural de um indivíduo.

Uma alucinação é uma perceção falsa, que não é uma distorção sensorial nem uma falsa interpretação e que ocorre ao mesmo tempo que as perceções verdadeiras. Numa versão menos complexa, é uma perceção sem objeto.

O mais comum é que as pessoas tenham a certeza de estar a ser perseguidas e que ouçam vozes que as ameaçam, comentam ou criticam, sem que estas estejam a ser emitidas.

Para além destes sintomas positivos, a doença apresenta também sintomas negativos, os quais, sendo menos exuberantes, acabam por passar mais vezes despercebidos.

Estes sintomas negativos consistem em ausência de resposta emocional, tendência para o isolamento, falta de motivação, energia ou de interesse pelas atividades do dia a dia.

Em conjunto, estes sintomas – positivos e negativos – perfazem aquilo que são as manifestações da doença ao longo de todos os seus estádios.

NECESSIDADE DE DIAGNÓSTICO PRECOCE

Considera-se que a doença aparece tipicamente na transição entre o final da adolescência e o início da idade adulta, perto dos 20 anos de idade, sendo os sintomas positivos inaugurais – primeiro episódio psicótico – aqueles que têm de estar presentes para que se faça o diagnóstico.

Ainda assim, cada vez mais estudos evidenciam que as pessoas que desenvolvem esquizofrenia já apresentariam propensão para o isolamento social e dificuldades cognitivas traduzidas por maus resultados escolares, pondo em causa o conceito atual de início da doença.

Com base nisto, sinalizar as crianças em risco de desenvolver esquizofrenia é algo que deve ser incluído nas políticas de saúde e que dependerá de um trabalho de monitorização por parte dos hospitais, da evolução das técnicas imagiológicas e da formação dos profissionais das escolas para a identificação de determinados tipos de comportamento por parte dos alunos.

Quanto mais precoce for a chegada aos cuidados de saúde e à instituição de tratamento, melhor o prognóstico (ainda que quanto mais cedo na vida se der o aparecimento da doença, pior a progressão da mesma).

FATORES GENÉTICOS E AMBIENTAIS

Não há uma causa isolada à qual possa ser atribuída o aparecimento da esquizofrenia e sabe-se hoje que tanto fatores genéticos quanto ambientais estão envolvidos.

A hereditariedade é complexa e representa cerca de 80% destes fatores genéticos, que depois se relacionam com os fatores ambientais – complicações pré e perinatais, idade parental avançada, emigração, trauma na infância ou consumo de substâncias, entre outros.

Quanto ao consumo de substâncias, é inevitável mencionar o peso da canábis, que se estima que seja responsável por uma fatia importante de todos os casos de psicose (que não exclusivamente, mas maioritariamente, evolui para esquizofrenia).

A noção de “droga leve” desvanece-se quando uma predisposição genética pode mudar a vida de um indivíduo de forma definitiva, visto que a esquizofrenia é uma doença crónica, na qual apenas 10-20% dos doentes tem um bom prognóstico e cerca de 80% recai nos primeiros 5 anos após o primeiro episódio.

MAIS FREQUENTE NOS HOMENS

A patologia é mais frequente em homens do que em mulheres, sendo que ser homem é um fator de pior prognóstico para a evolução do quadro. Quando aparece em mulheres, fá-lo, tendencialmente, numa fase mais avançada da vida.

Para além disso, é uma doença com uma frequência bastante elevada de comorbilidades, com altas taxas de depressão, abuso de substâncias, alcoolismo, perturbação de pós-stress traumático e perturbação obsessivo-compulsiva.

Os homens com esquizofrenia morrem, em média, 20 anos mais cedo do que a restante população, sendo que esta diferença está nos 15 anos para as mulheres. Parte destes números justificam-se por um elevado número de doentes acabar por ser vítima de suicídio. Apresentam, no entanto, uma incidência mais baixa de cancro.

Felizmente, a esquizofrenia tem uma incidência relativamente baixa: estima-se que, ao longo da vida, cerca de 1% das pessoas desenvolvam a doença. Em Portugal, um estudo recente estimou que 0,57% da população sofra de esquizofrenia.

Leia o artigo completo na edição de julho-agosto 2022 (nº 329)