OS ANTIBIÓTICOS FORAM, PROVAVELMENTE, A DESCOBERTA MAIS IMPORTANTE DO SÉCULO PASSADO. CONTUDO, TÊM EFEITOS SECUNDÁRIOS, ADVERSOS, QUE NÃO SÃO DESPREZÍVEIS, SOBRE A MICROBIOTA INTESTINAL, PELO QUE A SUA UTILIZAÇÃO DEVE SER RESTRINGIDA A QUANDO SÃO REALMENTE NECESSÁRIOS.

Artigo da responsabilidade da Profª. Marília Cravo, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia; diretora do Serviço de Gastrenterologia do Hospital Beatriz Ângelo

A descoberta do primeiro antibiótico (Penicilina) data de 1928 e, desde aí, que este e muitos outros antibióticos salvaram seguramente milhões de vida. Porém, é também reconhecido que a banalização da utilização destes fármacos pode ter efeitos nefastos sobre o nosso organismo.

Muitas vezes, existem infeções (constipações, diarreias) causadas por vírus, que são autolimitadas, que passariam espontaneamente em 2-3 dias e que são incorretamente tratadas com antibióticos, como se se tratasse de uma infeção bacteriana. Isto faz com que a utilização do antibiótico seja muito superior à necessária, o que acarreta efeitos secundários sobre a nossa microbiota, sobretudo intestinal, efeitos estes que podem durar anos e são irreversíveis, pois a microbiota nunca mais volta ao seu estado inicial.

MICROBIOTA SAUDÁVEL

A microbiota é constituída por diversos microrganismos – vírus, bactérias, fungos – que colonizam o nosso corpo desde a nascença. Esta microbiota tem funções muito importantes para o bom funcionamento do nosso corpo em geral e do nosso intestino em particular.

Uma microbiota saudável produz vitaminas (vitamina K e ácido fólico), mantém a integridade da parede intestinal, defende-nos contra microrganismos invasores que causam doença (Salmolla p.e.) e fermentam os alimentos que ingerimos com produção de ácidos gordos de cadeia curta, que são fundamentais para as células intestinais.

Assim, quando tomamos um antibiótico, vamos matar não só as bactérias más, que estão a causar doença, mas também todas as outras que habitam o nosso intestino e que têm todas estas funções benéficas, as quais ficam comprometidas.

DISBIOSE PROVOCADA POR ANTIBIÓTICOS

Este estado de desequilíbrio causado pela utilização frequente e repetida de antibióticos sobre a nossa microbiota designa-se por disbiose, que é hoje considerada responsável por inúmeras patologias, como sejam a síndrome do intestino irritável, o sobrecrescimento bacteriano (SIBO), mas também outras situações tão diversas como a obesidade, a depressão, as doenças autoimunes, a diabetes e mesmo alguns cancros, nomeadamente o cancro do cólon e reto.

Claro que, após a suspensão do antibiótico, há um fenómeno de resiliência, ou seja, a microbiota tenta voltar ao seu estado inicial de diversidade. Porém, está bem demonstrado que isto não acontece: a microbiota nunca volta completamente ao seu estado inicial e, passados anos da utilização de um antibiótico, a flora intestinal de um indivíduo mantém-se diferente da de um indivíduo que nunca tomou antibióticos, com redução de estirpes como Firmicutes e Bacteroidetes, e aumento de estirpes mais nocivas, prejudiciais à saúde, como as Proteobactérias.

Leia o artigo completo na edição de dezembro 2020 (nº 311)