Dor crónica e neuropática, dois espectros invisíveis, porém palpáveis, que assombram milhões de vidas. Num esforço contínuo para entender e aliviar essa angústia, a Psicologia emerge como uma luz ténue no fim do túnel, oferecendo não apenas tratamentos, mas também esperança.

Artigo da responsabilidade do Dr. Alexandre Bogalho. Psicólogo Clínico. Neuropsicólogo de um Centro de Medicina de Reabilitação de Adultos

 

No silêncio das sinapses e no bailado dos nervos, vive um mundo onde a dor não é apenas uma sensação física, mas uma experiência que se entrelaça com a essência da existência humana.

Na dor crónica, os sinais nervosos prolongados amplificam o sofrimento, enquanto na neuropática, desequilíbrios neuronais geram sensações distorcidas. A dor fantasma surge como uma reminiscência sensorial sem origem, ilustrando a complexidade do cérebro e a necessidade de remapear o membro perdido. Em paralelo, fatores emocionais exacerbam estas experiências, criando um ciclo de tormento e uma emergente necessidade de readaptação funcional, emocional e anatómica.

FERRAMENTAS PARA O BEM-ESTAR EMOCIONAL

A dor crónica, esse ser insaciável que se instala e se recusa a desaparecer, não é apenas uma experiência física. Ela trespassa cada pensamento, cada emoção, tornando-se uma parte indissociável da vida daqueles que a enfrentam. Mas existe uma arma poderosa no arsenal contra a dor crónica: a mente humana.

A terapia cognitivo-comportamental, essa jornada meândrica pelos recantos da mente, desvenda os padrões de pensamento que amplificam a dor. Identifica-se o isolamento e o sedentarismo como aliados da dor, inimigos do bem-estar. Estratégias comportamentais emergem como heróis, ensinando técnicas de relaxamento que desarmam o poder da dor.

Complementarmente, o mindfulness, com a sua arte delicada de viver o momento presente, propõe a separação da dor física do sofrimento emocional. A consciência plena do corpo, da respiração e da atividade desempenha um papel crucial, dissipando a nuvem negra da dor emocional.

A terapia da aceitação e compromisso, essa contenda contra a dualidade entre aceitar a dor e encontrar significado na vida, oferece uma promessa de paz. Aprendemos a aceitar a dor, não como um inimigo, mas como um companheiro de jornada. Descobrimos valores que nos guiam, estratégias que nos fortalecem, e assim, damos um propósito à nossa dolorosa existência.

Estas intervenções não são apenas palavras lançadas ao vento: são ferramentas tangíveis na busca pelo bem-estar emocional. Não só reduzem os sintomas depressivos e o stress, como também podem, quando combinadas, diminuir a intensidade da dor. A mente, esse terreno fértil de possibilidades, é transformada num campo de batalha onde a dor é contestada com coragem e compreensão.

ESPERANÇA NA FORMA DE INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA

A dor neuropática, uma criação impiedosa do sistema nervoso, é uma narrativa de sensações distorcidas, dormência e tormento. Este tipo de dor surge de lesões ou doenças que afetam o sistema somatossensorial, roubando a normalidade do dia a dia.

Os contornos da dor neuropática podem ter várias origens: desde procedimentos cirúrgicos até condições como esclerose múltipla. Mas, independente da origem, os sintomas são os mesmos: mudanças sensoriais, motoras e perturbações nas funções automáticas controladas pelo sistema nervoso.

Aqui, na sombra da dor neuropática, também encontramos os seus cúmplices frequentes: distúrbios do sono, ansiedade e depressão. São esses sintomas secundários que frequentemente roubam a cena, diminuindo a qualidade de vida dos que sofrem. No entanto, há esperança na forma de intervenção psicológica.

A dor fantasma é uma sensação dolorosa percebida numa parte do corpo que foi amputada, apesar da ausência física dessa parte. É uma ilusão sensorial, onde o cérebro ainda interpreta sinais de dor devido à memória neural, mesmo após a remoção do membro.

JORNADA PARA A ACEITAÇÃO E ALÍVIO

A dor neuropática não é apenas uma experiência física: ela enraíza-se nas profundezas da mente. As terapias complementares, como a terapia ocupacional, psicomotricidade e a fisioterapia, como guias compassivos, ajudam a desvendar os medos associados ao movimento e ao toque. Elas oferecem uma mão amiga para aqueles que têm medo de se mover, transformando o medo em confiança remapeando o cérebro através do toque (autoperceção, autoconceito).

Mas a verdadeira magia acontece nas sessões de intervenção psicológica. Aqui, a dor não é apenas enfrentada, ela é compreendida e aceite. A pessoa aprende a gerir a sua experiência de dor, a enfrentar sentimentos de tristeza e a ansiedade de frente. Capacidades de enfrentamento e regulação emocional são cultivadas, criando uma armadura contra a dor e suas ramificações emocionais.

UM MUNDO DE POSSIBILIDADES

No labirinto da dor crónica e neuropática, a Psicologia oferece não apenas tratamento, mas esperança. A atividade física não deve ser interrompida pela dor. O exercício físico e de reabilitação, um amigo leal, não só mantém a funcionalidade necessária para o dia a dia, mas também serve como uma forma de empoderamento.

Conhecer os limites, essa sabedoria silenciosa, é essencial. Reconhecer as limitações físicas não é fraqueza, mas sim uma demonstração de autoconhecimento. A socialização, esse bálsamo social, é uma ponte para a resiliência. O apoio social cria uma rede de segurança, diminuindo a depressão e a ansiedade, lembrando-nos que não estamos sozinhos nesta jornada.

No mundo complexo da dor crónica e neuropática, a intervenção psicológica não é apenas uma opção, é uma necessidade. É uma luz guia, uma mão estendida, um sussurro suave de que o amanhã pode ser melhor. Enquanto a ciência explora os confins do corpo humano, a Psicologia explora os recantos da mente humana, encontrando soluções não apenas para a dor física, mas também para o sofrimento emocional.

No fim das contas, a dor crónica e neuropática não são apenas desafios, são convites para descobrirmos a nossa força interior, a nossa resiliência e a nossa capacidade de encontrar alegria mesmo nas sombras. Com a orientação da Psicologia, podemos transformar o sofrimento em crescimento, a dor em esperança e, assim, encontrar significado mesmo na mais profunda das agonias.

Leia o artigo completo na edição de novembro 2023 (nº 343)