A doença hemorroidária é uma das patologias anorretais mais frequentes e das que mais pode perturbar a qualidade de vida de um indivíduo. Após o correto diagnóstico, seja qual for a terapêutica proposta, conservadora/farmacológica, instrumental ou cirúrgica, é fundamental a opção esclarecida do doente.

 

Artigo da responsabilidade do Prof. Dr. Fernando Castro Poças  Assistente Graduado Sénior de Gastrenterologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto. Professor Catedrático, convidado, com Agregação, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Presidente-eleito da Sociedade Portuguesa de Coloproctologia

 

A doença hemorroidária é uma das patologias anorretais mais frequentes na prática médica e das que mais pode perturbar a qualidade de vida de um indivíduo. Devemos ter presente que as hemorroidas são estruturas normais do canal anal que, em determinadas circunstâncias, podem ser sede de patologia. Assim, mais corretamente, devemos falar em doença hemorroidária e não em hemorroidas.

O QUE SÃO HEMORROIDAS?

As hemorroidas são constituídas por fibras musculares, tecido conjuntivo e vasos sanguíneos. Podemos considerá-las como que almofadas vasculares, que contribuem para a elasticidade do canal anal e para o seu encerramento completo, tendo, assim, papel na continência para gases e fezes.

Existem dois grupos de hemorroidas, as externas e as internas, conforme a sua localização no ânus.

PORQUE FICAM AS HEMORROIDAS DOENTES?

A doença hemorroidária tem, provavelmente, uma patogénese multifatorial. Será consequência de várias situações que originam maior aporte sanguíneo (fatores vasorreguladores) ao nível dos plexos hemorroidários, bem como do arrastamento e traumatismo destes, associados ao ato defecatório (fator mecânico). Assim se explica a maior ocorrência de sintomatologia hemorroidária na gravidez, com o trabalho de parto, com alguns hábitos alimentares, nomeadamente especiarias, enchidos, azeitonas e álcool, sedentarismo, obesidade, posição sentada durante muitas horas, doentes obstipados ou com dificuldade defecatória.

De referir, contudo, que a diarreia crónica é também um fator de risco para o desenvolvimento de doença hemorroidária, devido à passagem frequente de fezes que levam a traumatismo local e fraqueza do revestimento do canal anal.

QUAIS OS SINAIS E SINTOMAS?

As principais manifestações clínicas referidas pelos doentes são retorragias, prolapso, escorrência anal, dor e prurido.

As retorragias de ritmo defecatório são de sangue vermelho vivo que pinga na sanita, recobre as fezes ou fica no papel higiénico.

O prolapso, procidência ou tumefação pode apresentar-se de dois modos: intermitente ou permanente. O intermitente, de início, quase não provoca qualquer desconforto ao doente, pois os plexos hemorroidários exteriorizam-se aquando do esforço defecatório sem provocar qualquer dor ou perturbação funcional, reduzindo-se espontaneamente após a defecação (doença hemorroidária de 2.º grau; no 1.º grau, o mais leve, não existe qualquer prolapso).

Com o evoluir da doença, o prolapso reduz-se com mais dificuldade e necessita mesmo de redução manual por parte do doente. Esta situação caracteriza a chamada doença hemorroidária de 3.º grau. Esta manobra de redução vai sendo cada vez mais difícil e passa a ser dolorosa; os doentes necessitam, por vezes, de fazer um banho de água quente e colocar-se na posição de deitado para conseguirem fazer a redução. Esta situação leva com frequência a que os doentes alterem o seu horário de defecação, tornando a doença hemorroidária uma fonte de perturbação do seu quotidiano.

O prolapso pode tornar-se permanente, ou seja, irredutível, o que caracteriza a doença hemorroidária de 4.º grau. A fricção permanente com a roupa interior leva a uma exsudação, escorrência, por vezes com escoriações do plexo hemorroidário e hemorragias, manchando a roupa interior. É também uma situação que pode levar a prurido anal.

OUTRAS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Outra manifestação clínica que devemos ter presente é a chamada trombose hemorroidária, pois pode cursar com dor muito significativa e ser uma verdadeira urgência proctológica. Nesta situação, ocorre a formação de um coágulo, por fenómenos mecânicos, que interrompe a circulação sanguínea local e desencadeia uma reação inflamatória. Esta trombose hemorroidária por ser interna ou externa, conforme ocorra, respetivamente, nos plexos hemorroidários internos ou externos.

Dentro das manifestações clínicas, uma palavra final para as chamadas mariscas e pólipo hemorroidário. As primeiras são, com frequência, designadas erradamente por hemorroidas externas. Representam, sim, o remanescente das tromboses dos prolapsos e das tromboses hemorroidárias externas. As mariscas podem ser isoladas ou circulares. Aparecem, assim, como uma prega na margem anal ou como uma coroa contínua (toda a circunferência da margem anal). Não têm significativa tradução clínica, podendo, contudo, perturbar a higiene ao doente ou incómodo do ponto de vista estético.

O pólipo hemorroidário é uma pequena formação carnuda que surge na superfície das hemorroidas. O seu tamanho é variável, desde pequenos a grandes. Podem originar um incómodo permanente ou uma procidência anal de ritmo defecatório. Se ocorrer uma torção do seu pedículo, pode ser muito doloroso.

Para saber mais sobre os tratamentos disponíveis, leia o artigo completo na edição de maio 2022 (nº 327)