Entre as numerosas manifestações de desvios sexuais, existem atrações e impulsos não convencionais que alguns indivíduos experimentam relativamente a fetiches e a outros indivíduos. Importa tentar perceber o seu significado do ponto de vista psicológico e psicopatológico.

 

O filme “50 Sombras de Grey”, de 2015, adaptado do romance erótico da escritora britânica E. L. James, chamou a atenção para o sadomasoquismo enquanto prática e fonte de estimulação sexual.

Antes de mais, importa colocar a questão: deve o sadomasoquismo ser considerado como um desvio sexual? De acordo com a Classificação Internacional de Doenças, publicada pela Organização Mundial de Saúde, o sadomasoquismo é considerado doença quando a atividade é a fonte de estimulação mais importante do casal ou é necessária para a satisfação sexual.

Para entender esta prática, importa igualmente fazer a distinção entre as duas tendência que a compõem: o sadismo e o masoquismo.

SADISMO

O termo “sadismo” deriva do nome do escritor francês François de Sade – que viveu entre a segunda metade do séc. XVI e princípios do séc. XVII –, pelas cenas de crueldade erótica descritas nos seus livros.

Na prática, o sadismo costuma estar ligado a situações rituais ou a objetos fetiche; o sádico não obtém prazer sexual de qualquer situação que cause dor ou sofrimento físico, mas necessita de um ambiente especial, em que possa assumir o papel de flagelador. Esclareçamos que se costuma tratar de jogos relativamente suaves e que só em casos patológicos se registam verdadeiros atos de tortura, como os descritos por Sade.

O sadismo, como desvio sexual, é bastante conhecido, mas não está muito difundido: segundo um estudo levado a cabo há alguns anos, nos Estados Unidos, só 5% dos homens e 2% das mulheres tinham experimentado alguma vez prazer sexual infligindo dor, enquanto outro estudo, também norte-americano, revelou que globalmente 2% dos entrevistados associava o prazer a comportamentos sádicos. No entanto, também é verdade que, embora praticando-se pouco, o sadismo é uma forma de manifestação sexual que fascina muita gente.

O que significa isto? Significa que, à margem do verdadeiro sadismo, existe uma “atitude sádica” que está presente em muitos de nós. Nos jogos de amor mais normais, as mordidelas, as palmadas e as “lutas” são ações sádicas não desenvolvidas, mas apenas esboçadas; porém, existe nelas um vínculo entre o prazer e a dor ou a violência infligidos.

MASOQUISMO

O masoquismo é um termo que já faz parte da linguagem corrente, para definir um mundo psíquico e físico em que o prazer só se atinge através da dor sofrida. A palavra deriva do nome de um escritor austríaco do séc. XIX Leopold von Sacher-Masoch, cujas novelas são um autêntico inventário de situações deste tipo.

De todos os desvios sexuais, o masoquismo parece ser o mais extravagante e assombroso, na medida em que é difícil a sua compreensão, por parte das pessoas comuns.

Como pode um indivíduo perseguir o prazer através da dor? Poderá parecer uma contradição, face ao que é considerado uma teoria universalmente válida, segundo a qual o homem tende a obter prazer e a evitar o sofrimento na medida do possível.

No caso que nos ocupa, essa teoria não é aplicável. O sofrimento mostra-se como o único objetivo real do masoquismo; o indivíduo masoquista, não só não foge do sofrimento e daquilo que é desagradável, como, pelo contrário, sofrimento e dor parecem ser o seu verdadeiro objetivo.

Sadismo e masoquismo podem ser considerados as duas faces, ativa e passiva, de um mesmo desvio. Em ambas, trata-se de uma espécie de agressividade em estado selvagem, que pode ser dirigida para o exterior – sadismo – ou para a própria pessoa – masoquismo. Por isso, costuma falar-se de sadomasoquismo.

FETICHISMO

O fetichismo é a modalidade de desvio sexual mais inócua e difundida, sobretudo nos seus níveis mais superficiais. Consiste na erotização intensa de uma parte do corpo feminino – o fetichismo afeta principalmente a população masculina – ou, então, de um objeto que esteja de alguma forma vinculado ao corpo feminino, designadamente lingerie, meias de seda, sapatos, etc.

No entanto, também pode consistir na erotização de objetos que, aparentemente, nada têm a ver com o corpo da mulher ou com sexo, mas que se associaram a estes pela simbologia pessoal do indivíduo em questão. Naturalmente, fala-se de fetichismo como um desvio quando ele constitui a única forma de satisfação sexual possível.

VOYEURISMO

“Voyeur” é um termo de origem francesa que se utiliza para definir um indivíduo que obtém prazer sexual observando, sem ser visto, pessoas nuas, que se estão a despir ou que estão a praticar o ato sexual. Este comportamento costuma ser acompanhado de masturbação, durante ou depois da observação.

O “voyeur” não quer que ninguém o veja; além disso, prefere que o objeto do seu interesse seja constituído por pessoas desconhecidas; finalmente, como se pode imaginar, é bastante frequente que o facto de espiar implique um certo risco de ser descoberto. Estes três elementos constituem os componentes do prazer do “voyeur”.

Não está muito claro o que leva as pessoas a um comportamento sexual tão furtivo e marginal. De qualquer modo, essa atitude costuma ter relação com a falta de confiança em si mesmo e com a dificuldade em se integrar na sociedade, sobretudo no que se refere às relações com o sexo oposto.

O que muitas pessoas se interrogam é se estes indivíduos podem ser perigosos, isto é, se podem chegar a cometer verdadeiros delitos sexuais. Por outras palavras: pode o “voyeur”, que observa uma mulher enquanto se despe e que se excita até à masturbação, acumular um desejo insatisfeito que o leve a agredi-Ia sexualmente? É verdade que, de vez em quando, se observam casos deste tipo, mas é difícil que os autores sejam verdadeiros “voyeurs”. Na maior parte das vezes, são psicopatas de outro tipo, embora tenham atuado como “voyeurs” nessa circunstância. Os verdadeiros “voyeurs” evitam romper a barreira do anonimato, que os separa do objeto do seu interesse. Por conseguinte, não são perigosos.

EXIBICIONISMO

O exibicionista é um indivíduo caracterizado por uma necessidade incoercível e repetitiva de exibir os seus órgãos genitais, geralmente diante de pessoas totalmente estranhas, obtendo desta maneira um relaxamento psíquico que outras práticas sexuais não lhe proporcionam. Estes indivíduos não costumam ser violentos: o exibicionista limita-se a uma agressão à distância, muito diferente da do sádico.

O exibicionismo surge exclusivamente em indivíduos do sexo masculino. Geralmente, a necessidade de se exibir manifesta-se nos anos seguintes à puberdade e dura toda a vida. Muitos exibicionistas esperam, estabelecendo uma relação de convivência estável, conseguir reorientar a sua inclinação, mas acabam por se dar conta de que só o exibicionismo Ihes proporciona autêntica satisfação.

O exibicionismo existe em todos os grupos sociais: não é expressão de um particular “primitivismo” ou de uma carência de sentido da responsabilidade. Pelo contrário, muitos exibicionistas são profundamente infelizes, em parte pelo risco social a que esse seu impulso os expõe, mas porventura porque sabem que esta forma de sexualidade é muito marginal e pobre e que não concede a possibilidade de uma relação recíproca, nem possui os aspetos afetivos que têm outras formas de viver a sexualidade. O exibicionista sente, por isso, que é anormal, mas raramente solicita ajuda terapêutica.

NASCISISMO

Conta a lenda que Narciso era um jovem formosíssimo: o seu encanto era tal que estavam apaixonadas por ele muitas ninfas. Ele, contudo, mostrava-se indiferente. Um dia, vendo a sua própria imagem refletida na água, Narciso enamorou-se dela, morrendo afogado ao tentar agarrar aquele belo rosto que lhe inspirava tão profunda paixão.

Referindo-se à personagem mitológica, Freud empregou o termo narcisismo para definir um estádio primitivo do desenvolvimento sexual em que a libido recai no próprio indivíduo e não noutra pessoa. Em consequência, Freud salienta que o narcisismo – obviamente, nas suas manifestações não patológicas – não é um desvio sexual, mas um componente libidinoso próprio de qualquer ser humano e também uma das formas clássicas como os homens levam a cabo as suas escolhas amorosas, que consiste, basicamente, em procurar-se a si mesmos na parceira. O narcisismo constitui um dado bastante característico de determinadas personalidades e manifesta-se de forma diferente em cada sexo.

Na mulher, o narcisismo original sofre, segundo a teoria de Freud, um certo incremento depois da puberdade. No entanto, mais do que amar-se apenas a si mesma, a mulher deseja ser amada e desejada.

Se, por um lado, é verdade que a sociedade tende a estimular um certo narcisismo coletivo, também é verdade que algumas pessoas manifestam uma “personalidade narcisista”. Trata-se de indivíduos que, na realidade, têm baixa autoestima e que procuram constantemente a admiração e a atenção dos outros.

Do ponto de vista sexual, a uma conduta aparentemente despreocupada, opõe-se a incapacidade de se abandonar à ternura e ao prazer. A mulher nascisista costuma simular o orgasmo para fazer crer, ao seu companheiro e a si mesma, que teve prazer.

Por sua vez, o homem narcisista tem problemas para manter uma relação profunda e autêntica, já que em cada parceira procura uma confirmação do seu poder erótico. Pode até transformar-se num bom conhecedor da arte da sedução, usando a astúcia para assegurar o êxito e a admiração. No entanto, não sente um interesse real pelo corpo feminino, considerando cada conquista como apenas mais uma façanha sexual.

NINFOMANIA

O termo ninfomania deriva das palavras gregas “nymphe” (rapariga, esposa) e “mania” (loucura) e utiliza-se, na linguagem científica, para definir uma condição patológica caracterizada por uma exaltação excessiva do desejo sexual na mulher. A ninfómana, animada por um desejo anormal, multiplica as suas experiências sexuais, chegando, em casos extremos, a prostituir-se para satisfazer as suas necessidades. No entanto, cada experiência revela-se como um fracasso, porque esta mulher não encontra satisfação no coito ou no orgasmo, fazendo com que a sua procura de parceiros sexuais se toma ainda mais frenética.

Em geral, observou-se ninfomania em mulheres com manifesto desequilíbrio de caráter, mas também em mulheres com personalidade neurótica, em que a perturbação pode ser fonte de obsessões torturadas, de angústia e de neurose.

Existem formas de ninfomania que se revestem de maior ou menor gravidade; e a doença pode manifestar-se, inclusive, através de um comportamento atípico: a procura angustiada de novos companheiros sexuais é substituída por uma forma de masturbação intensa, acompanhada de vivas fantasias eróticas.

É importante sublinhar que as verdadeiras ninfómanas são raras e que, na linguagem coloquial, este termo é utilizado de forma inadequada para definir mulheres que apenas têm uma forte carga erótica e um comportamento sexualmente aberto.

POSSIBILIDADES DE PREVENÇÃO

À medida que se adquire consciência dos fatores que determinam o desenvolvimento dos desvios sexuais, também se ganha uma maior capacidade de atuar sobre as causas. Sabemos, igualmente, que os desvios sexuais têm as suas raízes na primeira infância e que são, total ou parcialmente, o produto do conjunto criança/meio próximo. Por sua vez, a reação do meio é o produto das condições de crescimento e do carácter próprio das pessoas-chave, bem como das normas sociais e morais imperantes numa determinada época. Poder-se-á, consequentemente, afirmar que os desvios sexuais são, em boa parte, produzidos pela sociedade ou, por outras palavras, encontram-se culturalmente condicionados.

A tarefa de prevenção deve centrar-se, em primeiro lugar, nas pessoas-chave, as quais têm uma importância decisiva no desenvolvimento da criança. Mas não nos devemos deter nisto: há que examinar as condições em que vivem essas pessoas. Não serve de nada que o indivíduo em questão tenha conhecimento, capacidade e boas intenções, se as condições sociais o impedem de fazer uso desse conhecimento e de pôr em prática as suas intenções.

O requisito necessário para se poder falar de profilaxia, neste campo, é que se deseje apenas prevenir os desvios reais e não se pretenda uniformizar as possibilidades de realização sexual das pessoas.

 

DESTAQUE

Pedofilia: o mais chocante de todos os desvios

A pedofilia é, seguramente, a mais chocante de todos os desvios sexuais, pelo simples facto de envolver crianças.

O pedófilo pode definir-se como um indivíduo – quase sempre um homem – que atinge a sua plena satisfação sexual mantendo relações com crianças ou jovens, sendo característico que a chegada destes ao pleno desenvolvimento somático diminua a atração que exerce sobre o indivíduo.

A pedofilia pode ser de tipo heterossexual, homossexual ou bissexual, apesar de serem muito mais frequentes as relações entre adultos e crianças do sexo masculino. Existem, por outro lado, variações quanto às franjas de idades preferidas, o que configura situações muito diferentes entre si, tanto pela forma de contacto sexual, como pela avaliação social.

As meninas implicadas em relações pedófilas costumam ter uma idade compreendida ente os 6 e os 11 anos, enquanto os rapazes costumam ser um pouco mais velhos, entre os 12 e os 15 anos.

Os pedófilos são, em geral, pessoas jovens – com menos de 40 anos –, contrariamente ao estereótipo do pederasta senil e impotente. Não existem dados específicos sobre a pedofilia em função da condição social, do nível intelectual ou do grau de perturbação psíquica. Nalguns estudos, sublinha-se que estes indivíduos possuem, por vezes, um nível de educação superior à média e que, em muitos casos, desempenham atividades laborais em contacto com jovens e crianças. A maioria não são casados, embora os haja, também, casados e com filhos. A maior parte das violações sexuais sofridas por crianças é cometida por familiares adultos ou por indivíduos conhecidos e próximos da criança.