A cada minuto que passa, ocorre mais um divórcio. As famílias desfazem-se, ou melhor, transformam-se. Tudo porque as pessoas com filhos de outras relações optam por voltar a juntar-se com alguém. Nestas novas famílias, o equilíbrio nem sempre é fácil.

 

“A mulher do meu pai foi buscar-me ao colégio”. “Amanhã janto com a minha mãe e o meu padrasto”. Estas e outras frases têm-se tornado cada vez mais frequentes entre as famílias, porque o seu núcleo (pai, mãe e filhos) já não é o que era. O aumento do número de divórcios na Europa está na génese das novas famílias, tão diferentes das que entendemos por “tradicionais”. As mais comuns são as monoparentais, aquelas em que os filhos vivem apenas com um dos progenitores, e as reconstituídas. Este último tipo de organização familiar caracteriza-se por um casal que tenha, pelo menos, um filho fruto de uma relação anterior.

Uma realidade “madrasta”

Estes novos agregados familiares enfrentam, naturalmente, desafios mais exigentes do que uma família tradicional que não tenha enfrentado o divórcio. Contudo, o método aconselhado para ultrapassar os obstáculos não difere muito do das famílias “virgens”. Em ambas, é necessário haver uma boa capacidade para solucionar problemas de forma adequada e um excelente entendimento entre os protagonistas da relação. Os conflitos intrinsecamente ligados às famílias reconstituídas são previsíveis, contudo, de difícil resolução.

Quem decide casar-se ou juntar-se em união de facto com uma pessoa separada ou viúva enfrenta, juntamente com todos os outros membros da família, a adaptação a uma unidade familiar já existente. Nestas circunstâncias, surgem constantemente dificuldades que põem à prova a capacidade de negociação.

As figuras do padrasto e da madrasta são as menos apreciadas neste contexto familiar. Uma realidade “madrasta” que exige alguma capacidade de improviso num papel que a sociedade se habitou a estereotipar. De todos os guiões que as personagens familiares têm que interpretar num lar reconstituído, o de padrasto é o mais difícil de compor e aquele que mais determina o êxito da nova família.

Áreas de conflito

Eis as principais áreas que podem dar origem a tensões nas famílias reconstituídas:

  • Preparação para voltar a casar

Qualquer casal deveria acordar previamente sobre o local onde vai viver e como vai partilhar despesas e gastos. O mais recomendável é instalar-se num lugar que seja novo para ambos. Desta forma, todos se irão sentir na sua própria casa. Também é conveniente utilizar um fundo monetário comum ao invés de orçamentos separados.

Por outro lado, podem ocorrer conflitos derivados de ressentimentos e feridas passadas, tanto nos mais jovens como nos adultos. No caso das crianças, só o facto de saberem que um dos seus progenitores vai voltar a casar-se desperta a consciência de que não vai haver uma futura reconciliação entre os pais. Os ex-cônjuges também podem demonstrar reações emocionais menos agradáveis, ao saber que o seu ex-companheiro irá envolver-se oficialmente numa nova relação.

  • Cimentar a nova relação

No início, é normal que os membros do casal sejam totalmente absorvidos pelas novas exigências familiares, em particular com os filhos. Estes podem sentir ciúmes do progenitor e competir pela sua atenção.

Outro fator de instabilidade são as demonstrações públicas de carinho, que podem perturbar, particularmente, os filhos adolescentes.

Nestes casos, o casal deve encontrar um tempo só seu para fortalecer o vínculo amoroso, que será também mais benéfico para os filhos, criando assim um ambiente familiar mais estável. Contudo, é importante não negligenciar a relação íntima. Para tal, o mais aconselhável é fazer pequenas “escapadinhas românticas” sem os filhos.

  • Paternidade na nova família

É sempre mais fácil constituir uma nova família com crianças pequenas, ao contrário do que acontece com os adolescentes. Uma família em formação exige uma confluência de forças que coincide com a necessidade de afeto e estruturação que os mais pequenos também pedem. Porém, em idades mais avançados, o processo é inversamente proporcional. Qualquer adolescente atravessa, nesta fase, a procura da sua identidade, uma busca que se faz no sentido contrário ao da família, ou seja, através do afastamento. A necessidade existencial e evolutiva do adolescente entra, assim, em conflito com a ligação que a nova família exige.

Mais uma vez, cabe ao padrasto ou à madrasta gerir a situação, assumindo para esse efeito o papel de conselheiro e amigo, não o de educador. Numa família reconstituída, é conveniente que o progenitor biológico esteja encarregue do controlo e da disciplina até o novo membro do casal ter um vínculo sólido com os enteados.

  • Relação entre padrasto/madrasta e os enteados

A tendência é querer conquistar o mais rapidamente possível o filho da outra pessoa. Contudo, é fundamental conhecer de antemão o estado emocional que este atravessa.

Por norma, as crianças preferem que o contacto afetivo se limite a uma relação verbal, com os elogios a serem melhor aceites que os abraços ou os beijos. Neste sentido, os rapazes costumam aceitar melhor os padrastos do que as raparigas. É importante realçar que está em causa um conflito de lealdade para com o pai ou mãe que não vive no novo lar.

Leia o artigo completo na edição de fevereiro 2021 (nº 313)