As Festas são, muitas vezes, tempos de ambiguidade emocional. O que é vendido como um período de euforia e celebração pode rapidamente transformar-se num vazio avassalador. O consumismo, a solidão e as expectativas irrealistas podem agravar sentimentos de tristeza.

Artigo da responsabilidade do Dr. Alexandre Bogalho. Psicólogo Clínico. Neuropsicólogo de Hospitais Privados.

 

As festas de fim de ano são um tempo de brilho, luzes e sorrisos, mas, para muitos, essa alegria não passa de uma ilusão que rapidamente se desfaz. Assim que o relógio marca a meia-noite, parece que a euforia, cuidadosamente montada ao longo de semanas, desaparece como uma bolha de sabão. A vida real volta e com ela vem o buraco da solidão que se torna ainda mais evidente. O sentimento de tristeza que acompanha este ciclo pode ser intensificado por uma combinação letal de consumismo desmedido, solidão e uma cultura que nos obriga a estar felizes. Quando não estamos, o abismo parece mais profundo.

CONSUMOS FUGAZES

O sociólogo Zygmunt Bauman, na sua análise sobre a modernidade líquida, sugere que vivemos numa sociedade que substitui relações duradouras por consumos fugazes. Não é por acaso que, durante as épocas festivas, as pessoas são bombardeadas por mensagens publicitárias que prometem felicidade, não através de encontros autênticos ou momentos de reflexão, mas através de compras. O consumismo torna-se um remédio rápido e superficial, uma tentativa vã de preencher vazios emocionais.

No entanto, como Bauman aponta, esta estratégia está condenada ao fracasso. Os bens materiais têm uma validade emocional limitada. Quando a euforia da compra se esvai, o vazio retorna, muitas vezes maior do que antes.

A psicóloga Susan Krauss Whitbourne, professora na Universidade de Massachusetts, fala frequentemente sobre como este ciclo de consumo e deceção pode agravar sentimentos de inadequação e tristeza, especialmente quando as expectativas são elevadas e não são correspondidas pela realidade. O “Natal perfeito”, tal como é vendido, raramente acontece.

SOLIDÃO GRITANTE

Se o consumismo nos promete felicidade superficial, a solidão é o monstro invisível que se esconde por detrás das luzes de Natal. Nas Festas, muitas vezes nos sentimos obrigados a reunir-nos com a família e os amigos. Para aqueles que não têm esse suporte, ou cujas relações familiares são marcadas por conflitos, a solidão torna-se gritante.

O psiquiatra Viktor Frankl, conhecido pelo seu trabalho sobre o sentido da vida, referiu que a maior tragédia humana é a sensação de vazio existencial. Numa época em que nos dizem que devemos ser felizes, a ausência de laços significativos pode parecer ainda mais devastadora.

A solidão não é apenas a ausência física de companhia, é o sentimento de desconexão profunda, de não pertencermos. E é essa sensação que pode levar ao desespero, agravando quadros de depressão e ansiedade.

EUFORIA E EXAUSTÃO

As festas de fim de ano têm algo de paradoxal: por um lado, promovem a ideia de alegria e união; por outro, geram uma exaustão emocional. Num curto espaço de tempo, espera-se que estejamos mais felizes, mais generosos, mais disponíveis. Mas, como diz o filósofo Byung-Chul Han, numa cultura de desempenho e produtividade, a pressão para “estar bem” torna-se um fardo. Não nos é permitido sentir tristeza, solidão ou cansaço. E quando nos sentimos assim, pensamos que falhamos. A euforia esgota-se rapidamente e somos deixados com o eco das nossas próprias expectativas frustradas.

Esta ambiguidade emocional pode levar a um aumento dos sentimentos de desesperança e desamparo. A psiquiatra portuguesa Maria José Moura, que se tem debruçado sobre o impacto das épocas festivas na saúde mental, refere que, muitas vezes, as Festas exacerbam quadros depressivos já existentes. Quando a festa termina, e as decorações são guardadas, a tristeza que já estava presente intensifica-se, tornando-se mais difícil de ignorar.

Leia o artigo completo na edição de dezembro 2024 (nº 355)