O aumento do consumo de drogas (cocaína e canábis) registado na população portuguesa, na ausência de armas terapêuticas eficazes no tratamento destas dependências, alerta para a necessidade premente de implementar estratégias de prevenção.

Artigo da responsabilidade da Dra. Diana Pereira Médica psiquiatra. Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE.  Assistente Livre na Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
e
Dra. Joana Pereira Médica interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

 

 

O consumo e o tráfico de drogas ilegais são fenómenos mundiais que ameaçam a saúde e a estabilidade social. As estatísticas têm mostrado que aproximadamente um em cada três jovens europeus já experimentou uma droga ilegal e que, a cada hora que passa, morre um cidadão europeu vítima de overdose de droga.

COCAÍNA NAS ÁGUAS RESIDUAIS

Um estudo publicado recentemente pelo grupo europeu SCORE, em colaboração com o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (EMCDDA), analisou a presença de substâncias ilícitas nas águas residuais de 104 cidades europeias, entre elas Lisboa, Porto e Coimbra, e revelou que a substância mais utilizada é a cocaína.

Esse mesmo estudo revelou que Portugal é um dos países onde os consumos dessa substância são mais elevados, principalmente ao fim de semana (sexta-feira a domingo). Em termos globais, em 2022, mais de metade das 66 cidades incluídas no estudo registaram aumentos de cocaína nas águas residuais.

EFEITOS NEFASTOS E SINTOMAS DE ABSTINÊNCIA

Os efeitos nefastos agudos do consumo da cocaína são variados, podendo inclusive cursar com condições potencialmente fatais, como arritmias, enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral.

Das condições psiquiátricas mais frequentemente encontradas, destacam-se os episódios depressivos, característicos dos períodos prolongados na ausência da substância, a que, em linguagem médica, chamamos de sintomas de abstinência. Estes sintomas da linha depressiva podem ser acompanhados por ideação suicida grave, chegando mesmo a tentativas de suicídio e a suicídio consumado.

CANÁBIS: CONSEQUÊNCIAS A NÍVEL PSIQUIÁTRICO

Em relação à canábis, a droga mais consumida em toda a União Europeia, foram observados ligeiros aumentos do seu consumo em comparação com 2021. À semelhança do que acontece com a cocaína, Portugal surge também no grupo das cidades da Europa ocidental e meridional onde foram registadas as cargas mais elevadas dos metabolitos desta droga (THC-COOH).

A canábis tem sido particularmente alvo de discussão nos últimos anos, com ponderação dos benefícios e prejuízos associados ao seu consumo, não só nas dimensões da saúde, como também a nível económico e social.

Apesar de não estarem descritos efeitos secundários potencialmente mortais relativos ao consumo de canabinoides, são várias as consequências nefastas a nível psiquiátrico:

  • Em primeiro lugar, a ocorrência frequente de ataques de pânico no contexto do consumo agudo, com necessidade de recorrência aos serviços de urgência.
  • Em segundo lugar, o desenvolvimento de síndrome amotivacional, que ocorre com o consumo prolongado e caracteriza-se por diminuição do interesse e do prazer nas atividades, podendo levar a um importante impacto funcional, quer na vida académica ou laboral, quer na vida sociofamiliar.
  • Em último lugar, destaca-se a associação relevante entre o consumo dos canabinoides e o desenvolvimento de esquizofrenia, sendo o seu consumo um importante fator de risco.

TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA

Quanto ao tratamento da dependência, quer de cocaína quer de canabinoides, não existem de momento estratégias farmacológicas aprovadas, sendo a eficácia dos fármacos muito limitada.

Nestes casos, as estratégias passam por intervenções psicoterapêuticas, procurando encontrar estratégias de coping para diminuir o craving e encontrar satisfação na ausência do consumo.

Por esta razão, o aumento do consumo registado na população portuguesa, na ausência de armas terapêuticas eficazes no tratamento destas dependências, alerta para a necessidade premente de implementar estratégias de prevenção.

Sendo o consumo, muitas vezes, utilizado como forma de minorar sofrimento psicológico, a disponibilização de apoio psicológico à população geral, especialmente aos mais jovens, poderá ser um primeiro passo para diminuir esse sofrimento. Outras estratégias passam pelo controlo na disponibilidade das substâncias e educação sobre os efeitos nefastos das mesmas.

Leia o artigo completo na edição de junho 2023 (nº 339)