De acordo com um estudo recente, publicado na revista Bone Marrow Transplant, o transplante de células estaminais do sangue do cordão umbilical em doentes com leucemia mieloide aguda (LMA) contribuiu significativamente para a remissão da doença, atingindo resultados acima dos 90%. Neste que é o mês dedicado às doenças hemato-oncológicas, Andreia Gomes, investigadora e especialista em biologia molecular e cultura celular, lembra que são cada vez mais as evidências das potencialidades das células estaminais em vários tipos de cancro de sangue, como é o caso da LMA.
Em 2018, estimou-se uma prevalência de 709 doentes com LMA, em Portugal, surgindo 251 novos casos por ano e com uma maior incidência em doentes na faixa etária dos 70-79 anos[i]. O estudo[ii], realizado pelo Acute Leukemia Working Party of the European Society for Blood and Marrow Transplantation e cujos resultados foram conhecidos em junho, comparou os resultados entre uma ou duas infusões de sangue do cordão umbilical em doentes adultos com LMA.
O estudo revelou que uma maior percentagem de doentes, aos quais foram administradas duas infusões de sangue do cordão umbilical, apresentaram a remissão completa quando comparada com uma só infusão. Ainda assim, a esmagadora maioria dos doentes atingiu a remissão completa após uma infusão e duas infusões de sangue do cordão umbilical, 91% e 99% respetivamente.
Outros parâmetros foram semelhantes nos dois grupos, tais como a incidência da doença do enxerto contra o hospedeiro, a incidência de recidiva, a sobrevivência livre de leucemia, a sobrevivência global e a sobrevivência livre de doença do enxerto contra o hospedeiro.
Este estudo, que abrangeu 325 doentes divididos em dois grupos, um com uma infusão sangue do cordão umbilical de e o outro com duas infusões sangue do cordão umbilical, permitiu concluir que os resultados de doentes com LMA submetidos a infusão sangue do cordão umbilical em remissão completa alcançados após uma ou duas infusões são semelhantes.
Ao longo dos anos, têm-se vindo a verificar a segurança da utilização do sangue do cordão umbilical, assim como o seu efeito terapêutico em diversas patologias. Andreia Gomes, diretora Técnica e de Investigação, Desenvolvimento e Inovação do laboratório português BebéVida, refere que “estudos e ensaios clínicos continuam a serem realizados e têm demonstrado que existe um efeito terapêutico real consistente e diferenciador com recurso às células estaminais do cordão umbilical. No caso da LMA, os estudos mais recentes avaliam e corroboram, mais uma vez, a segurança na infusão de sangue do cordão umbilical e os efeitos que uma simples infusão pode ter no tratamento desta patologia”.
A especialista em biologia celular e molecular, explica que “o maior número de células estaminais hematopoiéticas por unidade de volume, a menor imunogenicidade, a menor incidência e a gravidade de doença do enxerto contra o hospedeiro, a colheita não invasiva, indolor e sem qualquer tipo de risco para o dador (mãe e bebé), associados a um rápido e fácil transporte, capacidade de criopreservação sem afetar a qualidade, são algumas vantagens diferenciadoras do sangue do cordão umbilical”.
Andreia Gomes considera que, ao guardar o cordão umbilical em detrimento de o descartar, “consegue-se ter a possibilidade de tratamento, uma vez que “as aplicações atuais das células estaminais do sangue e do tecido do cordão umbilical e os esforços médico-científico apresentam um grande crescimento”. A investigadora remata que “a decisão de criopreservar este material genético é cada vez mais relevante”.
Na leucemia mieloide aguda (LMA) ocorre a transformação maligna e a proliferação não controlada de uma célula progenitora mieloide. Esta célula encontra-se anormalmente diferenciada resultando em números circulantes elevados das células sanguíneas imaturas e, consequente, substituição da medula óssea por células malignas.
Uma vez que a produção de células anormais é elevada, muitos dos sintomas estão relacionados com o baixo número de células saudáveis, nomeadamente: perda de peso, dor nas articulações, cansaço, dificuldade em respirar, infeções, febre, hemorragias, hematomas, entre outros. O diagnóstico desta patologia é realizado através de análises ao sangue e à medula óssea.
Regra geral, o tratamento da LMA é composto por duas fases: a terapêutica de indução, que consiste na destruição e eliminação da maioria das células leucémicas existentes, permitindo restabelecer a produção de células sanguíneas (hematopoiese) normal; e a terapêutica de consolidação, que se inicia após se conseguir uma remissão da doença, tendo como objetivo destruir quaisquer células leucémicas potencialmente remanescentes, reduzindo o risco recidiva da doença.[iii]
As taxas de indução de remissão encontram-se entre os 50-85%. A sobrevivência livre da doença a longo prazo situa-se geralmente entre os 20-40%. No entanto, em doentes mais jovens tratados com quimioterapia seguido de transplante de células estaminais, sobrevivência livre da doença a longo prazo é de 40-50%.
O transplante de células estaminais permite substituir as células que foram destruídas pelo tratamento oncológico. Após este tratamento, o transplante autólogo (utilizando as suas próprias células estaminais que foram recolhidas e guardadas antes do tratamento) ou alogénico (utilizando células estaminais doadas) são essenciais para a melhoria destes doentes, uma vez que ajudam na recuperação celular da medula óssea.
Como ainda não existe uma estratégia de terapia que permita a diferenciação celular correta, são conduzidos vários estudos e ensaios para tentar combater esta patologia.
[i] Miguel LS, Paquete AT, Fiorentino F, Guerreiro R, Alarcão J, Costa J, Borges M – O Custo e a Carga das Leucemias Agudas em Portugal, 2018.
[ii] Nagler A, Labopin M, Cornelissen JJ, Forcade E, Chevallier P, Fegueux N, Sierra J, Desmier D, Labussière-Wallet H, Byrne JL, Loschi M, Blaise D, Baron F, Ruggeri A, Mohty M. Outcome of human umbilical cord blood stem cell transplantation (CBT) for acute myeloid leukemia in patients achieving first complete remission after one versus two induction courses: a study from the Acute Leukemia Working Party of the European Society for Blood and Marrow Transplantation (EBMT). Bone Marrow Transplant. 2022 Jun 30. doi: 10.1038/s41409-022-01742-2. Epub ahead of print. PMID: 35773347.
[iii] National Cancer Institute. Adult acute myeloid leukemia treatment (PDQ®) – patient version. 2018. Disponível via: https://www.cancer.gov/types/leukemia/patient/adult-aml-treatment-pdq [acesso em agosto 2022].