Bastante prevalentes, as crises de enxaqueca afetam cerca de mil milhões de pessoas por ano, em todo o mundo. Apesar de haver cenários e comportamentos com tendência a despoletar episódios de enxaqueca, estes variam caso a caso, o que os torna muito imprevisíveis. Para além do necessário acompanhamento médico, cada indivíduo deve detetar os desencadeantes mais frequentes das suas crises e trabalhar nas suas próprias estratégias de adaptação – ferramentas úteis que prometem diminuir o impacto das enxaquecas no seu quotidiano.

Artigo da responsabilidade da Profª Raquel Gil-Gouveia, neurologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias

 

A enxaqueca é uma doença crónica do foro neurológico, marcada pela imprevisibilidade e por episódios de dor de cabeça de intensidade moderada a forte, pulsátil ou latejante. Viver com estes episódios pode ser complicado, uma vez que as enxaquecas trazem consigo algumas limitações.

Uma crise de enxaquecas começa, na maioria das vezes, com uma dor num dos lados da cabeça, juntamente com algumas náuseas, vómitos e intolerância sensorial a elementos como luz, ruído ou odores, e até o movimento.

Numa parcela significativa de casos (15 a 20%), faz-se acompanhar de aura – sintomas neurológicos como alterações temporárias na visão, formigueiro ou dormência em algumas zonas do corpo, ou dificuldade temporária em compreender a linguagem ou articular palavras. Totalmente reversíveis, estes sintomas podem prolongar-se por uma hora, ou mais.

Informação e controlo

Viver com enxaqueca significa ter noção de todas as limitações que lhe são inerentes. Por ser uma doença imprevisível, interfere em todas as esferas do nosso quotidiano. Tem implicações graves nas nossas vidas privadas, como na vertente profissional, e pode mexer com a nossa saúde mental. Para que o processo seja menos penoso, devemos aprender a gerir aquilo que nos é possível.

Devemos começar por procurar ajuda médica. Com um diagnóstico em mãos, passamos ao tratamento e à implementação de estratégias que ajudem a controlar a doença.

A enxaqueca não é igual para todos. Pode, inclusivamente, variar entre episódios, sendo estes diferentes entre si, quando vividos pelo mesmo indivíduo. Sempre que possível, devemos identificar os comportamentos com tendência a despoletar uma crise. Vários fatores facilitam o início de uma crise, os mais comuns são variações dos níveis de stress, dos horários de sono, do ritmo, a ingestão de determinados alimentos, o jejum prolongado ou a fraca hidratação, o excesso de medicação ou a exposição a determinados estímulos sensoriais. Uma vez identificados estes estímulos, devemos passar ao planeamento das estratégias de adaptação.

O controlo do stress e a aposta num ritmo de sono regular são aconselháveis, a par de uma boa gestão da medicação de controlo de crise, da atenção à saúde mental (procure ajuda, sempre que necessário) e da adoção de uma dieta adequada (evitando os estímulos a que são suscetíveis, em particular, o álcool). A prática regular de exercício físico e a implementação de estratégias individuais ou de técnicas de relaxamento também são bastante recomendadas.

Grupos de risco

Os números são claros: uma em cada quatro mulheres vai sofrer de enxaquecas ao longo da vida. São elas as mais afetadas pela doença, com três vezes mais probabilidade de as ter do que o sexo masculino, sobretudo se houver na família outras pessoas afetadas (as mães em particular).

A componente hormonal tem, aliás, grande influência na intensidade das enxaquecas, mais intensas na fase de vida fértil, variável consoante as etapas do ciclo reprodutivo. A maioria das mulheres tem mais crises perto da menstruação e pode passar pela gravidez sem qualquer episódio. Já no pós-parto, a estatística mostra que 25% das mulheres tem uma crise de enxaqueca nas duas semanas seguintes ao parto, e que até 50% terá uma crise de enxaqueca no seu primeiro mês.

Ainda no caso das mulheres, o envelhecimento e a menopausa podem suavizar os sintomas. Com a idade, as crises de enxaqueca tendem a tornar-se menos frequentes e menos severas, e a sensibilidade ao ruído, à luz e aos cheiros tende a diminuir.

Não se isole

As associações e grupos de doentes podem ajudar em todo este processo. Um doente acompanhado por pares e informado por quem sabe será sempre um doente mais bem-preparado para enfrentar os desafios de uma doença, alguém que controla a sua saúde.

Pode encontrar informação fidedigna em portais a Migra ou Viver sem Enxaqueca, sites devidamente validados por entidades como a Sociedade Portuguesa de Cefaleias.