Os cancros ginecológicos continuam a ser uma realidade pouco falada, apesar de afetarem milhares de mulheres em Portugal. São por vezes silenciosos, difíceis de identificar e, por isso, diagnosticados tardiamente. Mais de 3000 mulheres recebem este diagnóstico todos os anos — cerca de dez por dia. Por ocasião do Dia Mundial dos Cancros Ginecológicos, assinalado a 20 de setembro, sinto a necessidade de partilhar a minha experiência e reforçar a importância de quebrarmos o silêncio em torno destas doenças.
Artigo da responsabilidade de Cláudia Biscaya Fraga. Presidente da MOG – Associação Movimento Oncológico Ginecológico
No meu caso, o único sintoma que tive, aos 49 anos, foi um ligeiro cansaço. Mas que mulher, nessa idade, não se sente cansada? O que me salvou foi não ter ignorado uma dor súbita e violenta que percorreu o meu corpo. Rapidamente fui diagnosticada com um tumor no ovário de 12 cm. Menos de um mês depois, quando fui operada, descobriu-se que o tumor já media 28 cm. Fiz um ciclo de quimioterapia, abracei a minha condição de careca e, devido à operação, entrei na menopausa de um dia para o outro.
Julguei que tudo tinha ficado para trás. Não pesquisei nada sobre o assunto, nunca imaginei uma recidiva. Mas três anos depois, o cancro voltou, mais agressivo, mais doloroso, mais exigente. Submeti-me a várias cirurgias, a novos tratamentos e vivi ostomizada durante seis meses. Não foi fácil. Mas continuei a nadar no meu mar da Ericeira, mesmo com todas as limitações, porque era ali que encontrava a minha força. Cada mergulho foi resistência, cada braçada um passo para recuperar a dignidade do meu corpo e da minha vida.
Não pude ficar indiferente à experiência. Senti que tinha o dever de transformar a dor em ação e, por isso, fundei a Associação MOG com outra Cláudia. A nossa missão é apoiar mulheres que passam por esta jornada e dar-lhes informação clara, dignidade e esperança. Porque há ainda muito desconhecimento e muito estigma. Muitas mulheres continuam a sentir vergonha dos sintomas, outras são desvalorizadas por profissionais de saúde, e tantas são diagnosticadas tarde demais.
Se no caso de alguns cancros ginecológicos o diagnóstico tende a ser tardio, já o cancro do endométrio apresenta, em muitas situações, sinais mais precoces que permitem uma deteção atempada. Ainda assim, continua a ser o cancro ginecológico mais frequente, com cerca de 1400 novos casos por ano em Portugal, e a falta de literacia permanece um obstáculo.
Foi precisamente para responder a essa necessidade que lançámos o guia “Tudo o que precisa de saber sobre o cancro do endométrio”. Nele reunimos informação sobre sintomas – como hemorragias, fadiga, sensação de inchaço ou obstipação –, fatores de risco associados, meios de diagnóstico e opções de tratamento, bem como a relevância dos cuidados multidisciplinares.
Esperamos que ajude as mulheres a não descurarem quaisquer sintomas e a terem um estilo de vida saudável, algo muito importante neste tipo de cancro, uma vez que a obesidade é um dos seus fatores de risco. Uma alimentação saudável aliada a exercício físico regular é essencial neste percurso e também como elemento preventivo. Acreditamos que quanto mais informada estiver uma mulher, mais preparada estará para enfrentar a doença e para exigir o acompanhamento que merece.
Prevenção e o diagnóstico precoce
Mas não podemos falar de cancros ginecológicos sem sublinhar o essencial: a prevenção e o diagnóstico precoce. Estes cancros podem atingir mulheres de todas as idades, mesmo muito jovens. Conheço uma adolescente de apenas 15 anos que enfrentou um cancro do ovário. Há mulheres que demoram mais de um ano a obter um diagnóstico, outras que relatam histórias de sintomas ignorados, banalizados ou escondidos por vergonha. É urgente quebrar este ciclo.
O meu apelo às mulheres é simples: não adiem as consultas de ginecologia. Não desvalorizem sintomas como hemorragias anormais, dores persistentes, sensação de pressão no baixo ventre ou alterações no peso. Procurem ajuda, insistam, façam perguntas. Quanto mais cedo for detetado o problema, maiores são as hipóteses de sucesso no tratamento.
A minha história é apenas uma entre tantas outras. Mas se servir para que mais mulheres estejam atentas, para que uma consulta não seja adiada ou para que um diagnóstico seja feito mais cedo, já terá valido a pena partilhá-la.
No Dia Mundial dos Cancros Ginecológicos, deixo um apelo: falar de cancro sem medo, procurar informação fidedigna, cuidar da nossa saúde e apoiar quem passa por este caminho. Porque cada vida que conseguimos proteger e prolongar é uma vitória que merece ser celebrada.
Descarregue o Guia aqui:
You must be logged in to post a comment.