Os tumores malignos do aparelho digestivo (esófago, estômago, pâncreas, fígado, cólon e reto) matam cerca de 10 mil portugueses por ano, o que corresponde a cerca de 30 mortes por dia.
A idade mais avançada é um dos fatores de risco conhecidos para o aparecimento do cancro, mas, nas últimas décadas, tem-se observado um aumento da incidência em idades mais jovens, sobretudo de cancro digestivo. O número de pessoas abaixo dos 50 anos diagnosticadas com esta doença está a crescer.
Artigo da responsabilidade da Dra. Ana Raimundo. Oncologista e Coordenadora da Unidade de Tumores Gastrointestinais dos hospitais CUF Tejo e CUF Cascais
A incidência do cancro colorretal em jovens adultos quase duplicou, desde 1990. Atualmente, nos países desenvolvidos, aproximadamente um em cada dez casos são diagnosticados abaixo dos 50 anos. Poder-se-ia pensar que este risco estaria associado a uma predisposição familiar, mas, em média, a cada quatro casos diagnosticados, apenas um tem história familiar de cancro colorretal.
Outro dos factos que preocupa os profissionais de saúde é que estes doentes, mais jovens, procuram ajuda mais tardiamente, porque negligenciam os sintomas, sendo o diagnóstico realizado em fases mais avançadas da doença, e com menos probabilidade de cura.
A que se deve este fenómeno preocupante? O que podemos fazer para travar esta tendência?
O aumento rápido da incidência de cancro em idades mais jovens parece dever-se a diferenças geracionais na dieta, exposição ambiental a agentes carcinogéneos e a hábitos de vida menos saudáveis. Uma dieta rica em alimentos processados, em gordura e açúcar, o excesso de peso, o tabagismo e o álcool parecem ser uma mistura de fatores que multiplicam o risco de desenvolver cancro cedo. Se a estes fatores associarmos o ambiente em que vivemos, extremamente poluído e rico em carcinógenos, temos uma elevada probabilidade de desenvolvimento de cancro. Outra observação preocupante é que estes fatores começam a atuar muito precocemente, no início da vida – ainda no útero materno.
O aparecimento de cancro em idades mais jovens tem implicações pessoais, familiares, profissionais, sociais e económicas muito relevantes. E os sobreviventes de cancro em idades jovens têm maior probabilidade de virem a ter problemas de saúde crónicos: infertilidade, doenças cardiovasculares e outros cancros.
O que pode fazer a sociedade, e cada um de nós, para tentar inverter este panorama? Em primeiro lugar, é essencial termos uma vida mais saudável, que objetivamente se traduz em não ter excesso de peso, fazer atividade física, evitar a dieta ocidental (rica em gorduras saturadas, alimentos processados, carne vermelha, e açúcares), evitar refrigerantes, não fumar e não beber álcool – está provado que, mesmo em pequenas quantidades, não é saudável!
Estes hábitos mais saudáveis devem ser transmitidos às crianças, que devem ser estimuladas a praticar mais atividade física, em detrimento de hábitos sedentários, como passarem várias horas em frente a uma consola de jogos, computador ou smartphone. Não nos devemos esquecer que estes fatores de risco têm influência sobre a nossa saúde logo no útero materno, e ao longo de toda a vida.
Além disso, é fundamental vigiar regularmente a saúde, junto do médico, e não adiar os exames e análises recomendados, tendo presente que, em fases iniciais, os cancros digestivos podem não provocar quaisquer sintomas, sendo esta a única forma de os diagnosticar atempadamente.
Nem tudo está nas nossas mãos, mas agarremos naquilo que podemos mudar.
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