O diagnóstico precoce e a intervenção terapêutica atempada são cruciais para podermos alterar a história natural desta doença, atendendo ao seu carater crónico, progressivo e destrutivo.

Artigo da responsabilidade da Dra. Sandra Lopes. Assistente Graduada de Gastrenterologia da Unidade Local de Saúde (ULS) de Coimbra. Coordenadora da Unidade Funcional de Doença Inflamatória Intestinal da ULS Coimbra

 

A doença de Crohn e a colite ulcerosa constituem as principais formas da doença inflamatória intestinal (DII). São doenças inflamatórias crónicas de etiologia desconhecida, cuja incidência está a aumentar, que atingem sobretudo adultos jovens, condicionando a sua qualidade de vida e constituindo um importante encargo em termos sociais e económicos.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da DII depende da integração dos achados clínicos (dor abdominal, diarreia, perda de sangue, anorexia, perda ponderal, astenia, etc.), laboratoriais (anemia, elevação da proteína C reativa, elevação da velocidade de sedimentação, elevação da calprotectina fecal, etc.), radiológicos (alterações inflamatórias em ecografia/TAC/ressonância abdominal), endoscópicos (achados de inflamação na colonoscopia/endoscopia digestiva alta/endoscopia por cápsula) e histológicos (inflamação crónica nas biópsias efetuadas durante os exames endoscópicos).

Perante um quadro clínico e analítico sugestivos, o exame de eleição para o diagnóstico da DII é a colonoscopia total com ileoscopia terminal com colheita de biópsias. Permite ainda avaliar a extensão e a atividade da doença, fundamentais para a instituição do tratamento.

INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA

O diagnóstico precoce e a intervenção terapêutica atempada são cruciais para podermos alterar a história natural da doença, atendendo ao seu carater crónico, progressivo e destrutivo. O tratamento precoce com medicamentos imunomoduladores e/ou biológicos pode permitir: um controlo completo da doença; prevenir a sua progressão; evitar o dano intestinal irreversível; e restaurar a normal qualidade de vida dos doentes.

O tratamento clássico da DII implicava a utilização de terapêuticas denominadas “anti-inflamatórias”, como os aminosalicilatos e os corticosteroides, que ajudam a reduzir a inflamação; e os imunossupressores, como a azatioprina e o metotrexato, que diminuem a resposta imunológica e ajudam a controlar a atividade da doença.

A história natural e o prognóstico da DII mudaram com a introdução nos últimos anos da terapêutica biológica. Tratam-se de medicamentos produzidos a partir de organismos vivos (como células modificadas em laboratório), que atuam de forma muito específica no sistema imunológico ao bloquearem moléculas específicas envolvidas na inflamação.

TERAPÊUTICA BIOLÓGICA

Desde a introdução dos primeiros agentes biológicos, como os inibidores do fator de necrose tumoral (anti-TNF), a terapêutica da DII avançou consideravelmente. O Infliximab foi aprovado para o tratamento da doença de Crohn ativa moderada a grave na Europa em 13 de agosto de 1999 e, posteriormente, em Portugal, tornando-se um marco na evolução da terapêutica da DII. Estes medicamentos atuam através do bloqueio do fator de necrose tumoral alfa, uma citoquina pró-inflamatória central na patogénese destas doenças, proporcionando o controlo da inflamação e melhorando a qualidade de vida dos doentes refratários às terapias convencionais.

Com o tempo, surgiram novas classes de biológicos mais seletivos, reduzindo os potenciais efeitos adversos. Os inibidores de integrina, como o Vedolizumab, apresentam uma seletividade intestinal, reduzindo a imunossupressão sistémica e tornando-se uma opção segura para determinados perfis de doentes, tendo sido aprovado na Europa em maio de 2014. Os inibidores de interleucinas, como o Ustekinumab (anti-IL-12/23) mostraram-se eficazes para os doentes com DII moderada a grave e com bom perfil de segurança, com aprovação em Portugal desde 11 de agosto de 2020.

Outra classe inovadora são os inibidores de Janus quinase (JAK), como o Tofacitinib e o Upadacitinib, denominados de pequenas moléculas, ambos aprovados para o tratamento da colite ulcerosa moderada a grave após perda de resposta ao Infliximab, que atuam reduzindo a inflamação por meio da modulação intracelular de citoquinas pró-inflamatórias. Ao contrário dos biológicos referidos previamente, cuja forma de administração é endovenosa ou subcutânea, são disponibilizados na formulação oral.

MEDICAMENTOS BIOSSIMILARES

O desenvolvimento de biossimilares foi outro marco importante na evolução da terapêutica da DII. Os medicamentos biossimilares são versões altamente semelhantes de medicamentos biológicos já existentes (Infliximab, Adalimumab e, mais recentemente, Ustekinumab), tendo um papel cada vez mais importante por ampliarem o acesso às terapêuticas biológicas de alto custo, tornando-os mais acessíveis e sustentáveis economicamente. Em Portugal, a comercialização desses biossimilares iniciou-se em outubro de 2013.

A forma de administração dos medicamentos também tem evoluído para melhorar a adesão e a eficácia do tratamento. Uma inovação significativa foi o desenvolvimento da versão subcutânea do Infliximab, permitindo que os doentes autoadministrem o medicamento em casa, evitando deslocações frequentes ao hospital. Esta formulação mantém níveis séricos mais estáveis do fármaco, reduzindo a produção de anticorpos contra o medicamento e potencializando a sua eficácia a longo prazo. Em Portugal, a aprovação do Infliximab subcutâneo no contexto da DII foi em julho de 2020.

O futuro da terapêutica biológica na DII caminha para estratégias ainda mais personalizadas, como a combinação de diferentes classes de biológicos ou de um biológico e uma pequena molécula e o uso de biomarcadores para prever a resposta à terapêutica. O avanço na identificação de biomarcadores permite uma abordagem mais personalizada, possibilitando prever a resposta a determinados medicamentos e reduzir falências à terapêutica. Testes genéticos e biomarcadores como a calprotectina fecal e o doseamento de níveis séricos dos biológicos ajudam a otimizar o tratamento e evitar a ocorrência de efeitos adversos.

Embora os avanços na terapêutica medicamentosa tenham reduzido a necessidade de intervenções cirúrgicas, a cirurgia ainda desempenha um papel fundamental na abordagem da DII, especialmente em casos refratários ao tratamento médico. A abordagem minimamente invasiva, como a laparoscopia, e o programa ERAS (Enhanced Recovery After Surgery) representam grandes avanços no tratamento cirúrgico da DII ao determinar um menor impacto na qualidade de vida destes doentes.

Leia o artigo completo na edição de maio 2025 (nº 360)