As alterações de deglutição (ato de engolir) podem ocorrer em pessoas infetadas com covid-19, estando eminente a ocorrência de consequências severas. Assim, torna-se essencial a identificação precoce e reabilitação por parte de profissionais especializados nesta área, nomeadamente o terapeuta da fala. Este é responsável pela prevenção, avaliação, intervenção e estudo científico da comunicação e deglutição.

 

Artigo da responsabilidade de Sílvia Sousa, estudante de 4º ano do Curso de Licenciatura em Terapia da Fala na Escola Superior de Saúde do Alcoitão; estagiária na Unidade de Perturbações da Deglutição – Serviço de Otorrinolaringologia, Hospital de Egas Moniz.

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Dr. David Nascimento, terapeuta da fala na Unidade de Perturbações da Deglutição – Serviço de Otorrinolaringologia, Hospital de Egas Moniz; doutorando de Neurociências na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

 

A deglutição envolve um controlo neurológico complexo, que visa garantir um transporte seguro e eficaz de saliva, líquidos e sólidos desde a boca até ao estômago.

É uma função que envolve várias estruturas, órgãos e músculos faciais, como os lábios, a língua, bochechas, palato, dentes, laringe e faringe. A deglutição é um processo dinâmico no qual é imprescindível que todas as estruturas e órgãos funcionem em sintonia e, para que isso seja possível, é necessário que exista uma boa sensibilidade, força, velocidade, amplitude e coordenação dos músculos envolvidos.

Além de ter uma importância essencial em termos de nutrição e hidratação, desempenha também um papel deveras relevante na qualidade de vida, nomeadamente ao nível do prazer alimentar e social.

Quando existe uma alteração em qualquer uma das fases da deglutição, falamos em disfagia.

Porque é que as alterações da deglutição podem ocorrer em pessoas com COVID-19?

A infeção por covid-19 pode ter múltiplas consequências em termos de deglutição, tendo diferentes níveis de severidade, independentemente do sexo e da idade.

A perda de olfato é uma das alterações frequentemente reportada em pessoas infetadas com covid-19. O olfato desempenha um papel essencial na função alimentar. O cheiro da comida participa na perceção gustativa, ajuda na produção de saliva, sendo esta relevante para o processo de mastigação e deglutição.

Quando engolimos, paramos de respirar durante aproximadamente 0,5 a 2 segundos. Este é um dos principais mecanismos de proteção, de modo a evitar que o alimento ou líquido entre para os pulmões (aspiração). As dificuldades respiratórias decorrentes da infeção podem afetar a coordenação entre a deglutição e a respiração.

Em casos mais severos, em que é necessário internamento hospitalar, algumas pessoas podem necessitar de suporte respiratório, como o ventilador (máquina de suporte de vida que bombeia o oxigénio). Este suporte implica a realização de uma entubação orotraqueal, envolvendo a passagem de um tubo pela boca, passando pela garganta, até à traqueia. A passagem e permanência do tubo pode afetar e danificar várias estruturas, estando algumas envolvidas no processo da deglutição. Tendo em conta que as pessoas entubadas encontram-se sedadas, o ato da deglutição não é realizado. Assim, quanto maior é o tempo de entubação, maior é a probabilidade de ocorrerem alterações mais severas.

Um outro procedimento que pode ser necessário realizar é a traqueostomia. Este ato cirúrgico envolve a colocação de uma cânula (tubo) na zona da traqueia, perto da garganta. Este procedimento pode dificultar o bom funcionamento da deglutição. Para além disso, os outros cuidados hospitalares realizados, a forte medicação e a própria infeção podem fazer com que a pessoa se encontre menos desperta (prostrada), que a massa muscular diminua e que apresente um cansaço fácil.

Assim, as estruturas envolvidas no processo de deglutição, tais como língua, lábios, bochechas e garganta, podem sofrer alterações de mobilidade. É possível observar uma diminuição de amplitude, coordenação, precisão e velocidade dos movimentos orofaciais. A diminuição da força e sensibilidade destas estruturas são outras alterações frequentemente observadas. O mecanismo de proteção da via respiratória que ocorre durante a deglutição pode também encontrar-se comprometido.

Quais as consequências?

As consequências das alterações da deglutição podem ser múltiplas. Uma das principais envolve a entrada de alimentos ou líquidos para os pulmões, sendo possível ocorrer infeção respiratória. Esta pode constituir uma das causas de óbito. Assim, esta alteração pode afetar o quadro pulmonar, que se encontra previamente debilitado devido à infeção por covid-19. As alterações podem levar ao prolongamento do internamento ou a novo internamento.

Além disso, as alterações da deglutição podem levar à desidratação e desnutrição, tendo várias consequências no estado clínico da pessoa e atrasar a recuperação. A esfera emocional e social também podem ficar afetadas.

Qual o papel do Terapeuta da Fala nas alterações de deglutição?

O terapeuta da fala é um profissional de saúde na linha da frente essencial para a identificação e reabilitação da deglutição em pessoas infetadas com covid-19. A sua atuação tem como principal objetivo avaliar a integridade das estruturas orofaciais envolvidas no processo da deglutição, assim como avaliar a segurança e eficácia da ingestão de líquidos e alimentos. A intervenção realizada nesta área é essencial para prevenir possíveis complicações inerentes a esta perturbação. Pretende também assegurar um processo de recuperação adequado às capacidades e necessidades de cada pessoa.

Na intervenção, poderão ser implementadas estratégias compensatórias, tais como modificações de consistências alimentares, adaptações posturais, entre outras, que visam garantir a segurança pulmonar. A reabilitação pode envolver exercícios e treinos funcionais, que visam a melhorar a segurança e eficácia da deglutição.

Dada a relevância das alterações de deglutição, torna-se premente a identificação dos sinais de alerta e a procura de um terapeuta da fala em caso de dúvidas ou necessidade de acompanhamento.

Leia o artigo completo na edição de junho 2021 (nº 317)