A Fundação Portuguesa de Cardiologia está seriamente preocupada com as consequências dramáticas que as alterações climáticas podem vir a provocar na saúde cardiovascular dos seres humanos, na sua qualidade e esperança de vida.

 

Artigo da responsabilidade do Prof. Dr. José Coucello. Presidente do Conselho Científico da Fundação Portuguesa de Cardiologia

 

A Fundação Portuguesa de Cardiologia promoveu um estudo de opinião sobre a relação entre as alterações climáticas (AC) e a saúde em geral e a saúde cardiovascular em particular.1

Entre os resultados sobressai que 80% dos portugueses conhecem existir uma relação entre as AC e o efeito de estufa, 92% consideram que estes efeitos irão aumentar, mas só 33% admitem uma relação com a saúde cardiovascular.

ONDAS EXTREMAS DE FRIO E DE CALOR AFETAM A NOSSA SAÚDE

Sempre se soube que a temperatura interfere, de forma significativa, com a saúde do ser humano.

Existe evidência de que há maior morbilidade e mortalidade quando se verificam variações térmicas repentinas e extremas, sendo o sistema cardiovascular o mais afetado.2

As lesões podem ser agudas ou crónicas e podem ser imediatas ou mais tardias. Quando o calor excede a capacidade de resposta do organismo, desencadeia-se um conjunto de mecanismos fisiopatológicas que conduzem a alterações estruturais e funcionais cardíacas e vasculares, com consequentes lesões e, eventualmente, a morte.3

Com o objetivo de perder calor, há uma ativação das glândulas sudoríparas e dilatação das artérias superficiais da pele. Esta perda de líquidos pela sudorese pode levar a diferentes graus de desidratação, hipotensão, maior viscosidade do sangue e maior risco de acidentes cerebrovasculares (AVC), enfarte agudo de miocárdio (EAM), arritmias malignas e fenómenos de tromboembolismo. Os indivíduos com doenças cardiovasculares (doença das coronárias, hipertensão arterial, arritmias e insuficiência cardíaca) estão em maior risco.

O stress térmico provoca lesões da parede das artérias, chamado endotélio. A disfunção do endotélio provoca um aumento de coagulabilidade do sangue, vasoconstrição e uma resposta inflamatória sistémica. A nível do intestino, há maior risco de passagem de bactérias para a circulação, com inflamação sistémica e lesões multiórgão.4

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS TÊM VINDO A AGRAVAR A SAÚDE CARDIOVASCULAR

Desde que existem registos (meados de 1840), sabemos que as alterações climáticas têm sido mais frequentes, mais intensas e mais rápidas. Estas alterações têm sido traduzidas por fenómenos extremos, com maiores e mais severas consequências. Um desses fenómenos tem sido as “ondas de calor”.5

O aquecimento global também aumenta o risco de eventos naturais, como incêndios florestais, erupções vulcânicas e tempestades de poeira. Estes fenómenos aumentam a concentração no ar de “partículas finas”, que constituem um dos maiores contribuintes para a poluição do ar.6
A poluição do ar está associada com um elevado aumento de mortes anuais em todo o mundo, cerca de 8,8 milhões, sendo as causas mais frequentes as relacionadas com o sistema cardiovascular.

A forma como a poluição do ar afeta o sistema cardiovascular é semelhante ao que acontece com o stress térmico: a inalação das “partículas finas” provoca elevado stress oxidativo, afeta o endotélio e promove a inflamação em todo o organismo. Estas alterações contribuem para o aumento do risco de acidentes cardiovasculares agudos, como o EAM, AVC e fenómenos de tromboembolismo, bem como são responsáveis por estimular o agravamento da aterosclerose e da insuficiência cardíaca.7 Bastarão 2 a 4 dias de exposição a um súbito agravamento da poluição do ar para que o risco de EAM aumente significativamente.8

A Organização Mundial de Saúde estima que, entre 2030 e 2050, as AC sejam responsáveis por cerca de 250.000 mortes por ano, por desnutrição, malária, diarreia e stress térmico.9

As AC são fatores de risco importantes para os acidentes cardiovasculares, incluindo a morte, o EAM e o AVC.10

Num estudo recente, efetuado na Alemanha, foi observada uma relação significativa entre o calor e a ocorrência de EAM, com aumentos significativos do risco de eventos totais, não fatais e recorrentes no período entre 2001 e 2014, em comparação com os 13 anos anteriores.11
Na maioria dos estudos, verifica-se um aumento do risco em doentes com diabetes mellitus tipo 2 e HTA.12

Leia o artigo completo na edição de julho-agosto 2022 (nº 329)