Contribuir para melhorar a jornada dos doentes com cancro do pulmão em Portugal e, ao mesmo tempo, apoiar os seus cuidadores é uma das missões assumidas pela Aliança para o Cancro do Pulmão, que decidiu concretizar este propósito através do “Lung Mind Alliance”, um programa baseado em mindfulness, que concilia terapias cognitivo-comportamentais e práticas de meditação. Uma iniciativa que contou já com duas edições, uma das quais dirigida também a profissionais de saúde e que, confirmam as formadoras e os participantes, teve um impacto muito positivo.

A Dra. Carina Gaspar, pneumologista e membro do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão, confirma que o objetivo do grupo que coordena baseia-se na melhoria da qualidade dos cuidados prestados e apoio aos doentes com cancro do pulmão e seus cuidadores. Para isso, consideram necessário “preencher lacunas que existem nos cuidados já prestados a estes doentes no nosso país“ e referiu que “o Grupo 4 da Aliança para o Cancro do Pulmão, após uma avaliação das abordagens utilizadas, percebeu que o mindfulness seria uma abordagem terapêutica ainda muito pouco explorada neste grupo de doentes, apesar dos seus comprovados benefícios”.

E acrescenta, “em doentes oncológicos pode ajudar a reduzir os níveis de stress e ansiedade, reduzir os sintomas de depressão, melhorar o sono, proporcionar alívio de sintomas físicos como a dor e promover uma maior sensação de controlo e aceitação durante o processo de tratamento”. Motivos de inquestionáveis para oferecer esta abordagem ao doente com cancro do pulmão e juntar a este os seus cuidadores informais, para os quais, reforça, “são dirigidas muito poucas iniciativas”.

Os resultados da primeira edição motivaram os membros do Grupo 4 a avançar para uma segunda, esta dirigida a profissionais de saúde. “Também neste grupo existe uma forte evidência do benefício do mindfulness”, refere Carina Gaspar, que acrescenta que os promotores desta iniciativa acreditavam ainda que, “ao beneficiarem do programa na primeira pessoa, os profissionais de saúde virão a tornar-se embaixadores eficazes em promover os benefícios do mindfulness para os doentes”.

Carla Martins, diretora do Ser Integral: Centro Português de Mindfulness, foi uma das formadoras envolvidas no curso para profissionais de saúde que acompanham doentes com cancro do pulmão. “O objetivo na implementação deste programa baseado em mindfulness foi proporcionar ferramentas aos profissionais de saúde para reduzir o stress, fomentar a resiliência, reduzir sintomas de burnout, aumentar a qualidade de vida, a regulação emocional e atencional dentro e fora do local de trabalho”, explica.

Ao longo de 10 semanas, 13 profissionais de saúde assumiram este compromisso. “Caminhamos juntos num processo de desligar o piloto automático, de chegar com mais consciência ao momento presente, à nossa experiência interna que vai surgindo a cada instante, à medida que nos relacionamos connosco próprios, com os outros e com o mundo. Fomentamos a capacidade de reconhecer a reatividade em momentos de dificuldade, a capacidade de nos aproximarmos com gentileza do que nos é difícil e desafiante, de encontrarmos formas criativas e hábeis de lidar com momentos de stress e desafio. Reconhecermos a necessidade do autocuidado e entendimento do que precisamos para fomentar o nosso bem-estar a cada momento do dia por forma a cultivarmos a saúde mental, emocional e física”, refere.

Um trabalho que considera “essencial, dado o elevado grau de burnout, ansiedade e stress nos profissionais de saúde. É urgente cuidar dos cuidadores, é urgente implementar novas intervenções que permitam aceder e fomentar recursos internos de gestão emocional para que consigamos promover o bem-estar psicológico e o aumento da qualidade de vida dentro e fora do contexto laboral dos profissionais de saúde”.

No caso dos doentes, explica Catarina Lorvão, do Atelier Remind Choice e formadora no curso de mindfulness dirigido aos doentes e cuidadores, com uma duração de oito semanas, “esta abordagem permite encontrar espaço em emoções que normalmente tendemos a evitar como o medo, a tristeza, a culpa, e que convivem diariamente frente a frente com um diagnóstico que inclui esta palavra que tantos de nós não queremos vir a experimentar na vida como ela é, o cancro”. Refere ainda que “o benefício não está em querer atingir um estado particular, mas sim em reconhecer que através desta abordagem, cada um de nós, pode encontrar e ajustar os recursos internos e externos disponíveis, para poder melhor lidar com o que não podemos controlar”.

Findo este programa dinamizado à distância, Catarina Lorvão partilha que a reflexão lhe trouxe novos horizontes, “esta aventura cumpriu o esperado e abriu espaço para uma nova perspetiva, permitindo que esta forma de intervenção integrada na terapia de 3ª geração, possa continuar a contribuir para tornar mais leve a vida em condição de doença oncológica”.

Uma doente procurava, na altura, digerir o facto de ter sido diagnosticada com Cancro do Pulmão e confessou que acedeu a participar “sem grandes expectativas e bastante a medo de um desconhecido esotérico”. Mas o resultado foi diferente do que esperava. “O programa foi um reencontro comigo mesma, com as minhas vísceras, a minha essência. Tinha aprendido a pôr de lado os meus impulsos, vivemos a contrariá-los, eu acho que acabei por me tornar surda aos sinais do corpo, mas o corpo vive no presente, enquanto a cabeça divaga, sonha, idealiza … o corpo providencia. O programa permitiu que conseguisse escutar o meu corpo novamente, como em criança. Começar a escutar o meu corpo permitiu que eu me tornasse melhor para mim e isso teve grandes impactos na minha vida e considero que hoje sou uma pessoa mais íntegra e mais plena.”