Lamento desiludir as visões mais românticas, mas viver no mundo da ciência não é para todos. Só uma enorme paixão pode suportar tanta dedicação, esforço e empenho em condições tão adversas.

Artigo da responsabilidade do Dr. Henrique Girão. Investigador e diretor do Instituto de Investigação Clínica e Biomédica (iCBR), da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC)

 

Penso que ninguém ficará surpreendido ao constatar que a Ciência que é feita em Portugal está ao nível do melhor que se faz a nível mundial. É um lugar-comum ouvir dizer “com as mesmas condições, também eu fazia, ou até fazia mais e melhor”. Mas, de facto, não estamos longe da verdade quando se trata da Ciência produzida no País. Com os parcos recursos que temos, são extraordinários os feitos dos grupos e instituições dedicados à investigação, nas mais diversas áreas do saber.

NECESSIDADE AGUÇA O ENGENHO

Sociologicamente falando, haveria muito a elaborar sobre isso, mas numa visão simplista, atrevo-me a dizer que é o espírito do “desenrasca”, que tantas vezes salva o português em situações complicadas e de aflição, e que está invariavelmente associado à criatividade, e ao espírito inventivo, que tem permitido vencer ventos e marés e descobrir novos mundos.

Como tão sabiamente se diz, “a necessidade aguça o engenho”, e a Ciência portuguesa, perante a necessidade de encontrar respostas para os problemas, tem dado provas de grande capacidade e resiliência (talvez esta palavra nunca tenha sido tão bem aplicada, desde que se tornou moda, nos tempos mais recentes).

INVESTIGAÇÃO NACIONAL

A investigação nacional é desenvolvida, essencialmente, em Instituições de Ensino Superior ou Unidades de Investigação, na maioria por estudantes, de mestrado ou doutoramento, ou por jovens que, após terminarem o doutoramento, procuram encontrar o seu espaço, tentando retribuir o investimento que em si foi feito, ensinando o que aprenderam aos que se seguem. O dinheiro para os estudantes provém de concursos a bolsas individuais, financiadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que asseguram o pagamento da propina e o subsídio de manutenção, ao passo que o “ordenado” para os jovens doutorados é obtido em concursos em que apenas 3 ou 4 em cada 100 são agraciados.

Imagine-se a quantidade de potenciais investigadores de excecional qualidade que é descartada neste processo tão “elitista”.

DE ONDE VEM O FINANCIAMENTO?

Para que possam levar a cabo os seus planos de trabalhos, estes jovens têm de encontrar, nos grupos e estruturas de investigação, condições estimulantes para o seu crescimento, em termos de massa crítica, e recursos materiais, técnicos e tecnológicos. Para tudo isto é preciso dinheiro. E de onde vem esse financiamento?

Novamente, o cenário não é muito animador. Algum é atribuído diretamente às instituições, em financiamentos plurianuais, para assegurar serviços mínimos, enquanto outro, para alimentar projetos de investigação, é obtido em concursos vergonhosamente “competitivos”, onde apenas cerca de 5% das propostas são “merecedoras” de apoio.

Como é sabido de todos, em qualquer concurso competitivo, taxas de aprovação inferiores a 15% excluem muita da excelência e impossibilitam que projetos de grande qualidade e impacto sejam edificados. Neste contexto, o mérito e a qualidade não são, seguramente, elementos diferenciadores, passando a sorte a ser o fator decisivo. A única coisa que pode ser pedida a um investigador é que o seu projeto fique no “pote” dos 15% melhores, deixando que fatores aleatórios determinem o seu destino.

Este cenário é particularmente injusto para os mais jovens, pois impede-os de emergir e afirmar-se, já que vão a jogo no mesmo xadrez que cientistas mais velhos, consagrados e com elevados indicadores de produtividade.

Leia o artigo completo na edição de março 2022 (nº 325)