Notícias alarmistas recentemente vindas a público sobre os riscos da terapêutica de compensação hormonal na menopausa não têm fundamento, desde que sejam utilizadas hormonas bioidênticas, como a progesterona, em detrimento de derivados não bioidênticos. Saiba porquê.

Artigo da responsabilidade da Dra. Ivone Mirpuri

Médica Patologista Clínica; Especialista em Medicina Antienvelhecimento pela World Society of Anti-Aging Medicine; Especialista em Hormonologia pela International Hormone Society; certificação em Medicina Antienvelhecimento pelo Cenegenics,  Nevada University, EUA

www.clinicaantiaging.pt

Resolvi escrever um pouco sobre as diferenças entre progesterona e progestinas, pois frequentemente os meus colegas referem-se às progesteronas não bioidênticas (progestinas), como se de progesterona, de facto, se tratasse, atribuindo os malefícios das primeiras (não bioidênticas) à segunda (bioidêntica).

DIFERENÇAS ENTRE PROGESTERONA E PROGESTINAS

A progesterona é a hormona bioidêntica. A progestina é um derivado não bioidêntico, geralmente da progesterona ou da testosterona, e que, por isso mesmo, tem ação diferente no nosso organismo.

Falar-se de progestinas utilizando a palavra progesterona, como se fosse o mesmo, é um erro comum da maioria das pessoas, incluindo médicos.

Ser natural nada tem a ver com ser bioidêntico. Há substâncias naturais não bioidênticas, como os estrogénios equinos conjugados (EEC); há substâncias sintéticas bioidênticas, como a progesterona micronizada.

A maioria das pessoas usava indiscriminadamente a palavra progesterona, referindo-se quer à progesterona quer às progestinas, porque se pensava que, ao atuarem no mesmo recetor celular, os efeitos fisiológicos e riscos fossem idênticos. O mesmo se passava em relação aos estrogénios.

Mas a verdade é que uma hormona bioidêntica e uma não bioidêntica têm formas de ação diferentes, com efeitos e riscos igualmente distintos.

Notícias alarmistas recentemente vindas a público sobre os riscos da terapêutica de compensação hormonal (TCH) na menopausa não têm qualquer justificação, se utilizarmos hormonas bioidênticas. Dizer que a TCH só deve ser efetuada às “mulheres que precisam” e pelo período máximo de 2 anos, sob risco aumentado de cancro da mama, poderia até ser verdade se estivermos a falar de hormonas não bioidênticas, mas não se estamos a falar de hormonas bioidênticas.

Escrevo sobre este assunto na tentativa de clarificar os conceitos, quer a médicos quer a pacientes, que ficam “baralhados” com as diferentes opiniões levianamente emitidas.

TODAS AS MULHERES BENEFICIAM COM A TCH

Fazer a TCH “só às mulheres que precisam”? Pergunto eu: “Quais as que não precisam?”.

Com a aproximação da menopausa, muitas mulheres, se nada fizerem, poderão não sofrer os sintomas vasomotores, os chamados “afrontamentos”, que tão aflitivos e incomodativos são. Mas TODAS as mulheres que nada fizerem sofrerão secura vaginal, atrofia das mucosas, dores durante as relações sexuais, incontinência urinária, maior flacidez da pele, rugas mais abundantes, pele mais seca, cabelo mais fraco, risco cardiovascular aumentado e osteoporose, além de sintomas emocionais, como ansiedade, depressão, sensação de “cabeça vazia”, falta de concentração e falta de memória.

Como recusar tratamento hormonal a uma mulher, alegadamente para prevenir um risco, que não existe se lhe forem administradas hormonas bioidênticas?

REALIDADE CIENTÍFICA

Não há nenhum estudo que revele o aumento do risco de cancro da mama com a utilização de hormonas bioidênticas. Alguns até referem um risco ligeiramente inferior, advindo talvez do facto de, ao estarmos equilibradas, o nosso stress é relativizado e este, sim, é responsável pelo desencadeamento de patologia maligna.

Compete-me alertar pacientes e colegas para as diferenças significativas entre progesterona e progestinas (que estão nas pílulas das terapêuticas de compensação hormonal habitualmente utilizadas e que não são hormonas bioidênticas).

Quem afirma que hormonas bioidênticas “estão mal estudadas”, “são novas e ainda não sabemos muito sobre elas”, “são manipuladas e, por isso, o controlo de qualidade pode não ser o melhor”, está completamente desfasado da realidade e atualidade científicas.

As hormonas bioidênticas são utilizadas há mais de 40 anos nos Estados Unidos da América, Brasil e Europa. Existem mais de 3500 trabalhos publicados em revistas de renome e este número tende a aumentar todos os anos.

ANÁLISE COMPARATIVA DETALHADA

Torna-se necessário explicar detalhadamente e, desta forma, desfazer os mitos em relação às hormonas bioidênticas.

É óbvio que, ao utilizarmos hormonas química e estruturalmente iguais às nossas, as ações dessas hormonas vão ser idênticas às das nossas próprias.

As hormonas atuam em recetores celulares e as bioidênticas estão perfeitamente adaptadas a esses recetores, “encaixando” perfeitamente. E isto reflete-se na sua ação.

Assim, vou efetuar uma análise comparativa da progesterona bioidêntica face às progestinas, segundo três parâmetros.

  1. EFICÁCIA SINTOMÁTICA

As mulheres que recebem progesterona revelam melhor tolerância ao tratamento com melhoras da qualidade do sono, ansiedade, depressão, sangramento menstrual, sintomas vasomotores, função cognitiva e função sexual.

Há estudos que comparam a utilização destes dois grupos e que são consensuais nos resultados obtidos, sobretudo estudos comparativos entre progesterona bioidêntica e acetato de medroxiprogesterona (MPA).

  1. EFEITOS FISIOLÓGICOS

Ao nível do endométrio, não há grande diferença, mas ao nível do tecido mamário, as diferenças são muito importantes, chegando a ser antagonistas!

Claro que o risco de cancro da mama é também totalmente diferente quando se utilizam progestinas ou progesterona.

As progestinas têm um potencial antiapoptótico, isto é, não destroem células “doentes”, eventualmente cancerosas. As progestinas aumentam a atividade mitótica e a proliferação celular estimulada pelos estrogénios. Também estimulam o sistema ciclina D1 e aumentam a proliferação celular, ligando-se aos recetores mamários de estrogénio. Isto, sobretudo, com os derivados da 19 nortestosterona.

As progestinas também podem levar à conversão dos estrogénios “fracos” em outros mais potentes, contribuindo para os seus efeitos carcinogénicos, o que não se verifica com a progesterona.

As progestinas sintéticas podem ainda promover a formação da 16 OH estrona, metabolito da estrona proliferativo, ao contrário da 2 OH estrona, que tem um efeito “protetor”.

As progestinas estimulam igualmente a sulfatase, levando à formação de estrona ativa a partir do sulfato de estrona inativa.

Por fim, as progestinas aumentam a atividade da 17 betahidroxiesteroide reductase, que aumenta a produção intracelular de estrogénios mais potentes e com maior risco carcinogénico.

Por sua vez, a progesterona inibe as células mamárias estimuladas pelo estrogénio. A progesterona “baixa” o RE1 da mama e aumenta a apoptose das células tumorais, diminuindo a atividade mitótica da célula. Inibe o sistema ciclina D1, travando o desenvolvimento de células mitóticas na fase G1, estimulando os inibidores da kinase ciclina dependente. A progesterona tem, pois, uma atividade antiestrogénica no tecido mamário.

A progesterona estimula a forma oxidada da 17 betahidroxiesteroide desidrogenase, que faz com que os estrogénios potentes sejam convertidos em estrogénios mais fracos.

Em resumo: as progestinas sintéticas e a progesterona apresentam diferenças nos seus efeitos farmacológicos e moleculares a nível do tecido mamário, por isso, alguns dos efeitos pro-carcinogénicos das progestinas contrastam com as propriedades anticarcinogénicas da progesterona.

  1. RISCO CARDIOVASCULAR

As progestinas sintéticas produzem um efeito negativo a nível cardiovascular, aumentando o risco de enfarte do miocárdio e de acidente vascular cerebral, pois bloqueiam a ação protetora dos estrogénios (isto foi também comprovado em estudos como o WHI – Women’s Health Initiative).

A progesterona, por seu lado, potencia o efeito cardioprotetor dos estrogénios, diminuindo o risco de ataques cardíacos e AVC.

Estes efeitos opostos devem-se às diferenças de ação das progestinas e da progesterona a nível dos lípidos: as progestinas baixam o HDL-C, enquanto que a progesterona aumenta ou mantém o HDL-C.

Também a nível das artérias coronárias, se utilizarmos estrogénios com progesterona obtemos vasodilatação, enquanto que, se mudarmos a progesterona para acetato de medroxiprogesterona (uma progestina), o que vamos obter é uma vasoconstrição coronária, aumentando o risco de doença isquémica.

A nível da formação da placa ateromatosa, também são antagónicos os efeitos, sendo que a progesterona inibe e pode regredir a placa, enquanto que a medroxiprogesterona, por exemplo, aumenta a formação da placa e inibe os efeitos protetores dos estrogénios.

O estradiol transdérmico, com ou sem a progesterona oral, não tem ação negativa a nível da coagulação e de fenómenos tromboembólicos, ao contrário das progestinas, que aumentam o risco de tromboembolismo, especialmente se associadas a estrogénio oral.

A medroxiprogesterona tem uma atividade glucocorticoide não desejável, enquanto que a progesterona sendo, um inibidor competitivo da aldosterona, tem uma ação de baixa da tensão arterial, que pode ser importante e desejável. Nas mulheres normotensas, a baixa da tensão arterial não é significativa, não havendo o risco de hipotensão. Mas nas mulheres hipertensivas, esta ação é muito importante, baixando a tensão arterial.

Também a progesterona inibe o VCAM-1 (vascular cell adhesion molecule), ação que não se verifica com as progestinas. O VCAM-1 é responsável pelo início da formação da placa aterosclerótica.

Por tudo o que foi dito, a utilização da progesterona bioidêntica é a forma preferencial a ser utilizada na terapêutica de compensação hormonal da mulher.

DESTAQUE

Risco de cancro da mama com progestinas

Muitos estudos associaram a utilização das progestinas sintéticas ao cancro da mama. Apesar da variabilidade do “desenho” dos estudos, penso que esta associação não é posta em causa: a utilização das progestinas está claramente associada ao aumento da incidência do cancro da mama.

Estudos como o WHI (Women’s Health Initiative) ou o NHS (Nurses’ Health Study), que envolveram muitos milhares de mulheres, definiram que, de facto, o risco é maior nas mulheres que utilizaram progestinas (acetato de medroxiprogesterona nestes estudos), nas que utilizaram doses maiores e nas que só utilizaram progestinas sem estrogénio. As progestinas derivadas da testosterona apresentaram maior risco.

O NHS demonstrou ainda que as mulheres que utilizaram só estrogénios entre os 50 e 60 anos aumentaram o risco de cancro da mama em cerca de 23% aos 70 anos, relativamente às que não utilizaram hormonas; e quando se associou uma progestina sintética, o risco triplicou (67%).

Artigo publicado na Edição de Setembro 2015 (nº 253)