Um sono de boa qualidade e com a duração necessária confere a recuperação física, cognitiva e emocional que o organismo necessita. Quando o sono não é sentido como reparador ou quando a pessoa não consegue dormir o tempo suficiente, há que tomar medidas.

Artigo da responsabilidade da Dra. Ana Santa Clara. Psiquiatra com competência em Medicina do Sono pela Ordem dos Médicos; mestrado em Medicina do Sono na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; doutora na Unidade do Sono no Hospital CUF Descobertas, na Clíni­ca CUF Mafra e no Centro de Eletroencefalografia e Neurofisiologia Clínica – CENC; docente convidada na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa e na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. Coautora do livro “ABZzz do Sono” (LIDEL Saúde e Bem-estar)

 

O sono, a alimentação e o exercício físico formam um “tripé” sobre o qual assenta a nossa saúde mental e física. Se um destes elementos falha, os outros não o compensam.

O tempo que estamos a dormir e o tempo que estamos acordados fazem parte de um todo, que se repete a cada 24 horas, havendo uma sincronização de todas as funções do nosso organismo a este ciclo de dia e noite: é o chamado ritmo circadiano. Há processos fisiológicos que ocorrem só durante a noite e outros apenas durante o dia e que não podem ser trocados.

CONSEQUÊNCIAS DA PRIVAÇÃO DE SONO

Portanto, quando existe privação de sono ou o horário de dormir e acordar é muito irregular, há sempre prejuízo para o organismo, por não estar a ser respeitado o ritmo natural dos processos envolvidos. As consequências serão sentidas física e psicologicamente, podendo, com o tempo, resultar em doença orgânica (por exemplo, diabetes, hipertensão, cefaleias e queixas gastrointestinais) e mental (por exemplo, ansiedade, depressão, irritabilidade e dificuldades de memória, de raciocínio e de decisão). No caso de a pessoa já ter problemas de saúde prévios, estes têm uma pior resposta aos tratamentos e a sua evolução é pior.

Existem hábitos de vida e doenças que prejudicam sempre o sono, como uma vida sedentária, isolamento (sobretudo nas pessoas mais velhas), alimentação descuidada, consumo de álcool (mesmo em pequenas quantidades), irregularidade no horário de deitar e levantar, doenças crónicas (obesidade, doenças cardiovasculares e doenças reumáticas, por exemplo), dor (aguda ou crónica), stress excessivo/prolongado e doenças psiquiátricas.

COMPARTIMENTAR O TEMPO

De uma forma simples, podemos dividir cada ciclo de 24 horas em 3 períodos de 8 horas cada: 8 horas para dormir, 8 horas para trabalhar/estudar e 8 horas para tudo o resto.

Neste “tudo o resto”, para além das obrigações do dia a dia, é fundamental incluir o autocuidado: tempo de reflexão e escolha de prioridades, prática de exercício físico, cuidados com a alimentação, atividades de lazer e relação com os outros – família e amigos.

Obviamente, a duração de cada período varia um pouco de indivíduo para indivíduo e ao longo da vida, mas é como se cada período correspondesse a um compartimento, articulado com os outros, mas sem “roubar tempo” entre si.

ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS

Ao longo da vida, ocorrem alterações do sono que são normais (fisiológicas), as quais alteram o ritmo e a qualidade do sono. São exemplos disso:

GRAVIDEZ, que comporta sempre algumas alterações do sono, diferentes nos três trimestres, mas que devem ser avaliadas e, se necessário, tratadas;

MENOPAUSA, em que 40 a 60% das mulheres têm queixas de sono, algumas das quais relacionadas com os conhecidos “afrontamentos” noturnos;

PARTIR DA PUBERDADE, tendo os jovens sono cada vez mais tarde, o que, na maior parte das vezes, é incompatível com o horário escolar (daí resulta um estado de privação crónica de sono, com consequências no desempenho académico);

DEPOIS DOS 65 ANOS, em acontece o contrário, já que a pessoa começa a sentir sonolência muito mais cedo e, se se deitar logo, irá acordar espontaneamente ainda de noite. Em contrapartida, durante o dia, há tendência a dormitar e está criado um ciclo que, tendencialmente, leva a que as pessoas mais velhas tenham o sono fragmentado: dormem um período mais longo durante a noite e fazem pequenas sestas durante o dia.

Todas estas situações – ditas “normais”, porque fazem parte dos vários ciclos da vida –, não devem causar prejuízo na saúde, nem na vida diária, dado que, se tal acontecer, impõe-se uma avaliação médica para diagnóstico e orientação terapêutica, que pode ser apenas de aconselhamento em relação a hábitos de sono e higiene de vida ou prescrição de medicação se necessário.

Leia o artigo completo na edição de dezembro 2024 (nº 355)