A Assembleia Mundial da Saúde aprovou uma resolução que pode mudar a vida de milhões de pessoas com doença renal crónica (DRC). Para quem vive diariamente ligado a uma máquina de diálise, espera há anos por um transplante ou descobriu tarde demais que os rins estavam a falhar, esta decisão não é apenas simbólica. É um virar de página. É o mundo a dizer, finalmente: “basta de invisibilidade.”
Artigo da responsabilidade de Paulo Urbano. Presidente da APIR – Associação Portuguesa de Insuficientes Renais
Aprovada por consenso entre os Estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), a resolução reconhece a DRC como uma prioridade entre as doenças não transmissíveis. Pede aos países que integrem o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento da doença renal nos seus sistemas de saúde. E vai mais longe: exige acesso universal à diálise, ao transplante e aos medicamentos essenciais. Para quem, em muitos países, ainda morre por não conseguir pagar um tratamento básico, isto pode significar a diferença entre viver ou não.
Esta é, sem dúvida, uma vitória. Mas a verdadeira mudança começa agora.
Em Portugal, temos motivos para acreditar. A Direção-Geral da Saúde publicou recentemente o “Percurso Integrado para a Pessoa com DRC”, que define como deve ser feito o acompanhamento da doença, do diagnóstico aos cuidados mais avançados. E o Governo aprovou a Estratégia Nacional para a Promoção da Saúde Renal. Temos planos. Temos intenções. Falta garantir que se cumprem — e depressa.
A realidade mostra-nos porquê. Continuamos a diagnosticar tarde. Continuamos com pessoas sujeitas a grandes deslocações para garantirem o seu tratamento, seja de diálise, seja de transplante renal. Continuamos a lidar com um sistema que trata a doença, mas que ainda faz pouco para a evitar.
A resolução da OMS é uma oportunidade. Uma alavanca para exigir mais ambição, mais investimento e mais visão. Porque a saúde renal continua a ser uma das áreas mais negligenciadas da saúde pública — e não devia. Não, quando afeta quase 700 milhões de pessoas em todo o mundo. Não, quando pode ser evitada com ações simples nos cuidados primários. Não, quando custa vidas e milhões de euros por inação.
Na APIR, sabemos o que está em jogo. Trabalhamos todos os dias com pessoas que vivem com esta doença. Sabemos o que custa esperar por um rim. Sabemos o que custa ter de escolher entre trabalhar ou ir à diálise. Sabemos o que custa não ser ouvido.
Hoje, somos ouvidos. Mas não basta. Agora é hora de passar da promessa à prática. A saúde renal não pode continuar à margem. Com esta resolução, temos a base. Cabe aos governos — e ao nosso — construir o resto. E nós, como sempre, cá estaremos para garantir que não se esqueçam.
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