A febre do jogo Pokémon Go chegou a Portugal e, em pouco tempo, já conseguiu mudar comportamentos: hoje, milhares e milhares de jovens saem das suas casas e realizam longas caminhadas, sem dar conta dos quilómetros percorridos ou do tempo passado. Mesmo os mais sedentários tornam-se ativos e disponíveis para este tipo de atividade.
Ao contrário da tendência para a abolição da tecnologia e respetivos efeitos sociais, Hélder Flor, especialista em Medicina Tradicional Chinesa, reconhece bastantes vantagens na criação deste jogo: “Todos os jogadores procuram superar o máximo de níveis possível e, para isso, é preciso caminhar bastante. São “obrigados” a sair de casa e a conhecer novos caminhos de forma proativa. E, mesmo atrás de um dispositivo móvel, começam a participar em fóruns e a ganhar a confiança necessária para interagir com os seus pares ao vivo, combatendo o isolamento”.
A falta de atenção em relação ao que os rodeia e as longas horas dedicadas ao jogo podem não ser aspetos positivos, mas “se o período de distração for limitado e a área a percorrer for segura, não há qualquer problema, afirma o especialista. “Num país com níveis preocupantes de obesidade infantil, todas as ações que promovam o exercício físico devem ser bem-vindas”.
A caminhada é uma atividade de baixo impacto, adaptada ao ritmo de cada um e recomendada em qualquer idade. Tem bastantes efeitos positivos ao nível da circulação, no combate à osteoporose, no combate à depressão e na melhoria da autoestima e saúde mental em geral. Além de todos os benefícios descritos, para a Medicina Tradicional Chinesa, caminhar faz bem ao Fígado e ativa o “Qi” (energia) do corpo, que regula o bem-estar de todos os outros órgãos.
Contudo, a apologia deste jogo não é consensual. Se, por um lado, os jovens portugueses voltaram a sair à rua, para dezenas de quilómetros de caminhadas e convívio, o número de horas em que o pescoço fica curvado a um smartphone também disparou. O alerta é feito pela Associação Spine Matters, que relembra ainda a facilidade de quedas, tropeções, entorses e encontrões com potencial de perigo neste público, prevendo um aumento de lesões nos jogadores mais focados.
Para Luís Teixeira, mentor e presidente da Spine Matters, “é positivo que um jogo esteja a colocar, em massa, as pessoas de volta o movimento ao ar livre. Mas é preciso fazê-lo de forma muito mais consciente do meio envolvente: entorses, ossos partidos ou outro tipo de lesões mais graves também fazem parte deste horizonte”.
Para além do elevado risco de acidente, explicado pela concentração quase exclusiva num ecrã, remetendo para segundo plano o mundo real, já há muito que são conhecidos os perigos do “pescoço de SMS”, expressão que em breve poderá ser atualizada para “pescoço de Pokémon Go”. “Os estudos realizados na área revelaram que a força exercida no pescoço de um adulto a olhar para o telemóvel pode variar entre os 12 e os 27 quilos. Estamos a falar de uma pressão extrema para esta zona, que pode levar a um desgaste precoce, degeneração e até cirurgias. Ora, se a tendência já existia ao longo do dia, na consulta regular de e-mails e redes sociais, ou envio de SMS, o tempo despendido em torno do jogo-fenómeno só veio aumentar os riscos associados a esta exposição”, conclui o especialista.
Artigo publicado na edição de setembro 2016 (nº 264)