Caracterizada pela presença de fases de rutura do funcionamento habitual da pessoa, provocadas por alterações do estado de humor, energia e atividade, a perturbação afetiva bipolar é uma das mais importantes e enigmáticas perturbações psiquiátricas.
Artigo da responsabilidade do Dr. João Pedro Lourenço. Psiquiatra da Sociedade Portuguesa de Psicossomática. Hospital de Santa Maria
De etiologia ainda não totalmente esclarecida, pensa-se que a perturbação afetiva bipolar (PAB) resulta de uma combinação complexa de fatores genéticos, biológicos, psicológicos e ambientais. Trata-se de uma entidade nosológica muito heterogénea na sua apresentação clínica, evolução e gravidade, cujos dados epidemiológicos apontam para uma prevalência global de 1,8-2,4% (0,6-0,9% para PAB tipo I e 1,2-1,5% para PAB tipo II).
A perturbação está frequentemente associada a pessoas de grande capacidade artística e intelectual: crê-se que dela sofriam personalidades como Ludwig Van Beethoven, Virginia Woolf, Van Gogh ou Isaac Newton.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A perturbação afetiva bipolar manifesta-se através da recorrência de episódios maníacos, hipomaníacos e depressivos.
O EPISÓDIO MANÍACO é a marca característica da PAB. A elevação do humor traduz-se por euforia – alegria patológica desproporcionada às circunstâncias – e/ou por irritabilidade. Ocorre desinibição do comportamento social, aumento da autoestima, planos megalómanos e ideias de grandiosidade, sendo frequentes conteúdos religiosos ou místicos, que em casos extremos podem adquirir estruturação psicótica sob a forma de delírios, crenças inabaláveis não explicáveis pela cultura da pessoa.
Outros sintomas incluem diminuição da necessidade de dormir, aceleração psicomotora e comportamento impulsivo, como gastos excessivos, condução perigosa, consumo de substâncias tóxicas ou desinibição sexual. Um único episódio maníaco que, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística DSM-5, deve durar no mínimo uma semana é suficiente para o diagnóstico de perturbação bipolar tipo I.
O EPISÓDIO HIPOMANÍACO é uma forma menos grave, sem psicose (delírios ou alucinações), em que os sintomas influenciam o funcionamento de um modo menos impactante. Na ausência de episódios maníacos, um único episódio é suficiente para o diagnóstico de perturbação bipolar tipo II.
O EPISÓDIO DEPRESSIVO é caracterizado pela experiência de uma tristeza profunda, ocorrendo tendência ao isolamento, diminuição dos níveis de energia, cansaço fácil, ansiedade, apatia e perda de prazer nas atividades. Está associado a sentimentos de desânimo, desespero e de desvalorização pessoal, que nos casos mais graves podem configurar delírios de ruína, culpa ou niilistas, sendo ainda frequentes as alterações do sono, apetite e da libido, bem como as ideias de suicídio.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico diferencial da perturbação afectiva bipolar é feito com outras perturbações psiquiátricas, como a esquizofrenia, perturbação esquizoafetiva, depressão unipolar ou perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA).
Salienta-se, pelas implicações terapêuticas envolvidas, a importância da destrinça com a perturbação de personalidade estado-limite (Borderline): apesar da partilharem sintomas, como a instabilidade emocional e a impulsividade, os episódios maníacos não são característicos da perturbação borderline da personalidade, que é marcada, entre outras particularidades, por um padrão disfuncional crónico do comportamento disfuncional, relações interpessoais caóticas e relativa ausência de períodos de estabilidade.
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