A visão não é apenas clareza: é conforto, estabilidade e coordenação. E é precisamente esse olhar mais completo e funcional que o ortoptista traz para a saúde visual.
Artigo da responsabilidade de Bernardo Rama. Ortoptista e representante comercial na Shamir Portugal
A visão é um dos sentidos mais importantes para o desenvolvimento humano e desempenha um papel central na forma como aprendemos, comunicamos e nos relacionamos com o mundo.
Segundo o Relatório Mundial sobre a Visão (OMS, 2019), estima-se que aproximadamente 2,2 mil milhões de pessoas no mundo sofram de alguma forma de deficiência visual, sendo que, pelo menos, mil milhões de casos poderiam ter sido evitados ou ainda não receberam o cuidado adequado. Estes números reforçam a importância de intervenções precoces, especialmente na infância. Nos primeiros anos de vida, é através da visão que a criança descobre o ambiente, adquire novos conhecimentos e constrói autonomia.
AVALIAÇÃO ESPECIALIZADA
No entanto, nem sempre “ver bem” significa ter uma visão saudável. A nitidez das imagens, medida nos testes de acuidade visual, é apenas uma parte da história. A visão envolve muito mais do que isso: exige coordenação entre os olhos, movimentos oculares precisos, integração cerebral e a capacidade de funcionar com conforto ao longo do dia.
Uma criança pode ver com clareza e, ainda assim, ter dores de cabeça frequentes, dificuldade em manter a atenção, fadiga ocular ou visão dupla. Esses sinais, muitas vezes desvalorizados, são indicativos de que algo não está bem e que uma avaliação especializada pode fazer a diferença.
PAPEL DO ORTOPTISTA
É neste ponto que o trabalho do ortoptista assume um papel essencial. Trata-se de um profissional de saúde dedicado ao estudo e acompanhamento da motilidade ocular e da visão binocular, ou seja, à forma como os olhos se alinham, se movimentam e trabalham em conjunto.
O ortoptista não se limita a medir a acuidade visual: ele analisa a função visual de maneira global, deteta alterações que podem passar despercebidas e propõe terapias adaptadas a cada pessoa.
Entre as situações mais frequentemente acompanhadas estão o estrabismo, conhecido como “desvio ocular”, a ambliopia ou “olho preguiçoso”, os problemas de convergência, dificuldades em focar e, em idades mais avançadas, a baixa visão.
INTERVENÇÃO PRECOCE
Na infância, a atuação do ortoptista é determinante. O sistema visual é altamente plástico e adaptável, mas também frágil. Alterações que não sejam identificadas e corrigidas a tempo podem provocar limitações irreversíveis.
Muitas vezes, a criança não percebe que vê de forma diferente, e os pais também não conseguem identificar o problema com facilidade. Em vez disso, surgem indícios indiretos, como dificuldades de leitura, falta de concentração, baixo rendimento escolar ou até comportamentos de desinteresse pelas tarefas visuais.
Rastreios regulares e intervenções precoces são fundamentais, especialmente considerando que se estima que cerca de 312 milhões de crianças e adolescentes (pessoas com menos de 19 anos) sofram de miopia – condição que, quando não corrigida, pode afetar o desenvolvimento a vários níveis.
Uma avaliação ortóptica, feita com testes específicos e adaptados à idade, permite identificar problemas precocemente e, quando necessário, iniciar terapias que asseguram um desenvolvimento visual saudável.
ACOMPANHAMENTO AO LONGO DA VIDA
Mas o trabalho do ortoptista não se restringe à infância. Em adultos, é cada vez mais comum surgirem queixas de fadiga ocular, visão turva ou dificuldades em focar devido ao uso intensivo de ecrãs digitais. Já nos idosos, a baixa visão exige uma abordagem reabilitativa que ajude a manter a autonomia, reduzir o risco de quedas e preservar a qualidade de vida.
O Relatório Mundial sobre a Visão (OMS, 2019) destaca que a prevalência de problemas visuais aumenta com a idade. Estima-se que 80% das pessoas com dificuldades de visão ao longe bilateral e cegueira, assim como dois terços das que apresentam dificuldades de visão ao perto, tenham 50 anos ou mais, o que reforça a necessidade de acompanhamento contínuo ao longo da vida.
Em todas as idades, o ortoptista atua como um elo essencial na prevenção e na reabilitação, garantindo que a visão se mantenha não apenas nítida, mas também confortável e eficiente.
MÚLTIPLAS ÁREAS DE ATUAÇÃO
Outro aspeto fundamental é a colaboração do ortoptista com outros profissionais de saúde. Enquanto o oftalmologista se dedica ao diagnóstico e tratamento das doenças oculares e o optometrista se centra na refração e prescrição de correções óticas, o ortoptista foca-se na função visual, avaliando a forma como os olhos trabalham em conjunto e como o cérebro processa as imagens. Em muitos casos, trabalha também em articulação com neurologistas, terapeutas da fala e fisioterapeutas, sobretudo quando existem condições neurológicas ou motoras associadas. Essa integração garante um cuidado completo e centrado no paciente.
O ortoptista está presente em múltiplos contextos de saúde e educação. Pode exercer funções em hospitais públicos e privados, em clínicas oftalmológicas, em unidades de saúde familiar, em centros de saúde e em consultórios privados.
A sua presença é também cada vez mais valorizada em escolas, no âmbito de programas de rastreio visual, que permitem detetar precocemente alterações que poderiam comprometer o sucesso escolar. Além disso, desempenha um papel importante em centros de reabilitação visual, apoiando pessoas com baixa visão a adaptarem-se ao quotidiano e a manterem a sua independência.
Leia o artigo completo na edição de outubro 2025 (nº 364)
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