A obesidade é uma doença complexa, crónica e recidivante, associada a mais de 200 doenças, nomeadamente diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono e certos tipos de cancro, entre outras. Os fatores biológicos são difíceis de contrariar sem acompanhamento médico e farmacológico.

Artigo da responsabilidade do Dr. John Preto. Presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia de Obesidade e Doenças Metabólicas (SPCO). Coordenador do Serviço de Cirurgia Geral e Unidade de Cirurgia de Obesidade e Metabólica – Hospital CUF Porto

 

A prevalência de obesidade continua mundialmente a aumentar. Segundo a World Obesity Atlas 2024, se não forem adotadas medidas eficazes de combate e prevenção, estima-se que, em 2035, existam aproximadamente 3,3 mil milhões de indivíduos com excesso de peso ou obesidade, em comparação com os 2,2 mil milhões em 2020. Portugal não é exceção a esta realidade mundial.

De acordo com o estudo “O custo e a carga do excesso de peso e obesidade em Portugal”, datado de outubro 2021, 28,7% da população portuguesa tem obesidade; e se incluirmos a população com excesso de peso, o número sobe para 67,6%. No entanto, menos de 1% dos doentes com obesidade em Portugal recebe o tratamento adequado, que deveria incluir acompanhamento multidisciplinar e terapias personalizadas.

PARA ALÉM DA FORÇA DE VONTADE

A obesidade é, sem dúvida, uma das doenças mais prevalentes e complexas da atualidade. Anualmente, milhares de pessoas ao redor do mundo fazem resoluções de Ano Novo com a intenção de perder peso, melhorar a sua alimentação e adotar um estilo de vida mais saudável. Contudo, esse ciclo de promessas e frustrações muitas vezes esbarra num obstáculo muito mais profundo e difícil de combater: a biologia do corpo humano.

Embora a obesidade seja frequentemente abordada apenas sob a ótica de escolhas pessoais e comportamentais, não é uma condição unicamente causada por hábitos alimentares inadequados ou pela falta de exercício físico. Ainda que esses fatores, nomeadamente a alimentação, desempenhem um papel fulcral, há uma série de influências biológicas que podem tornar mais difícil a perda de peso, mesmo quando a pessoa está empenhada em seguir um plano alimentar saudável e atividade física regular.

Os fatores biológicos têm um papel crucial nesse quadro, tornando a luta contra o excesso de peso muito mais desafiadora do que uma simples questão de força de vontade. A biologia influencia o aparecimento da obesidade e, para muitas pessoas, a superação desse problema requer um acompanhamento médico de natureza multidisciplinar e abordagem terapêutica especializada.

FATORES GENÉTICOS

Os fatores biológicos implicados podem ser genéticos, endócrinos e metabólicos. Estudos científicos demonstram que a genética desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da obesidade. Certos genes podem influenciar a maneira como o corpo armazena gordura, regulam o apetite e respondem aos sinais de saciedade. Pessoas com predisposição genética para a obesidade têm uma maior tendência para acumular gordura corporal, mesmo que sigam dietas controladas e façam exercício regularmente.

Pesquisas indicam que entre 40% a 70% da variação do peso corporal pode ser explicada por fatores genéticos. Isso significa que, para algumas pessoas, perder peso pode ser muito mais difícil do que para outras, não devido a escolhas erradas, mas por causa de uma predisposição biológica que as torna mais suscetíveis ao ganho de peso.

FATORES ENDÓCRINOS E METABÓLICOS

As hormonas também desempenham um papel crucial na regulação do peso corporal, influenciando o apetite, o metabolismo e o armazenamento de gordura. Entre as principais hormonas envolvidas na obesidade estão a insulina, a leptina, a grelina e o cortisol. A desregulação destas hormonas pode tornar o processo de emagrecimento mais difícil.

Por outro lado, o metabolismo de cada pessoa é único e pode ser influenciado por uma série de fatores, como idade, género, genética e histórico de saúde. Algumas pessoas têm um metabolismo naturalmente mais lento, o que significa que queimam calorias de uma forma mais lenta do que outras, tornando mais fácil a acumulação de gordura corporal.

A interação complexa entre fatores genéticos, endócrinos e metabólicos pode criar um ambiente no qual a perda de peso é extremamente difícil sem a ajuda de intervenções médicas.

ACOMPANHAMENTO POR ESPECIALISTAS

Invariavelmente, milhões de pessoas começam o ano com a meta de perder peso, sempre com grandes expetativas. A falta de sucesso em manter essa resolução pode gerar frustração e sentimentos de culpa, criando um ciclo vicioso em que a pessoa tenta novamente, apenas para fracassar outra vez.

Em vez de estigmatizar e culpar a pessoa pela sua falta de disciplina, é importante compreender que a obesidade é uma condição multifatorial, que exige uma abordagem multidisciplinar e a integração dos vários tratamentos disponíveis.

O acompanhamento profissional por especialistas desta área (endocrinologistas, nutricionistas, cirurgiões bariátricos, psicólogos e psiquiatras) é essencial para diagnosticar e tratar a obesidade e as doenças associadas. Esta abordagem multidisciplinar fornece orientações personalizadas sobre como adaptar a alimentação e o estilo de vida, levando em consideração os fatores biológicos de cada indivíduo.

RECURSO A MEDICAMENTOS

Em alguns casos, pode estar indicado o recurso a medicamentos especializados para o tratamento da obesidade. Esses medicamentos podem agir de diversas maneiras, designadamente inibindo o apetite, aumentando a saciedade, reduzindo a absorção de gordura ou regulando hormonas como a insulina e a leptina.

Para pessoas com obesidade severa ou que não conseguem perder peso com mudanças no estilo de vida, os medicamentos podem ser uma opção importante. Há que realçar, contudo, que o uso de medicamentos para o emagrecimento deve ser feito sob supervisão médica rigorosa, pois eles podem ter efeitos colaterais e contraindicações. Além disso, a eficácia dos medicamentos pode variar de pessoa para pessoa, sendo importante ajustá-los conforme as necessidades individuais.

Leia o artigo completo na edição de fevereiro 2025 (nº 357)