A Inteligência Artificial (IA) está a revolucionar várias áreas da medicina, incluindo a Medicina da Reprodução. Esta tecnologia emergente, com a sua capacidade de analisar grandes volumes de dados, identificar padrões complexos e fornecer informações sobre parâmetros invisíveis ao olho humano, tem o potencial de melhorar significativamente a forma como os tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA) são realizados, trazendo níveis de sensibilidade e eficácia que estão totalmente fora do alcance dos métodos tradicionais.

Artigo da responsabilidade do Dr. Vladimiro Silva. Diretor Científico das clínicas Ferticentro, Procriar e Ava

 

Um exemplo disso, que me é particularmente próximo, é o trabalho que está a ser desenvolvido na Ferticentro. Em 2013, introduzimos a utilização do Embryoscope, uma incubadora de alta tecnologia que, através de uma câmara de vídeo incorporada, permite o acompanhamento e a avaliação contínua do desenvolvimento dos embriões, sem necessidade de manipulação e através da tecnologia de vídeo time-lapse, durante 5 a 6 dias.

Esta tecnologia permitiu-nos visualizar aspectos do desenvolvimento embrionário que eram anteriormente invisíveis ao olho humano e cujo significado desconhecíamos. No entanto, com esta nova capacidade de observação surgiram, também, desafios inesperados. A quantidade de informação gerada por esta tecnologia era imensa, e a interpretação dos dados obtidos revelou-se uma tarefa complexa e um verdadeiro desafio para o olho humano. A avaliação embrionária continuava a depender da observação humana, que, por mais experiente que fosse, estava sujeita a variações e subjetividade.

Foi então que identificámos o potencial da Inteligência Artificial para nos ajudar a superar estas limitações. A IA tem a capacidade única de processar e analisar grandes volumes de dados de forma rápida e rigorosa, identificando padrões e anomalias que seriam praticamente impossíveis de detectar a olho nu. Ao utilizar a IA, podemos, também, beneficiar da sua capacidade de aprendizagem contínua, ajustando as nossas avaliações à medida que mais dados são acumulados.  Por esse motivo, começámos a trabalhar em projetos que envolvem a aplicação de IA na avaliação do desenvolvimento embrionário e que culminaram na criação da plataforma que utilizamos atualmente, cujos resultados parecem bastante encorajadores apesar de estarem, ainda, em fase de validação pré-clínica.

Até ao momento, e tendo em consideração os testes realizados, os algoritmos de IA que usamos parecem ajudar na identificação dos embriões que apresentam maior potencial de implantação, o que pode potencialmente permitir a redução do tempo necessário para uma gravidez e, consequentemente, a otimização dos recursos dos casais que se submetem a estes tratamentos.

Contudo, apesar do entusiasmo em torno da IA, é crucial abordar esta tecnologia com a prudência necessária. Embora alguns dos primeiros resultados sejam promissores, a IA ainda está numa fase inicial de implementação e os modelos e previsões que estão a ser desenvolvidos precisam de ser rigorosamente validados antes de serem aplicados de forma generalizada na prática clínica. Por esse motivo, é vital sublinhar que a IA deve ser vista como uma ferramenta complementar e não como um substituto para o julgamento clínico realizado pelos operadores humanos. Em última análise, a decisão sobre a seleção embrionária e outros aspetos críticos dos tratamentos de PMA deve sempre pertencer ao embriologista, que deve aliar os dados fornecidos pela IA ao seu próprio conhecimento e experiência.

Por outro lado, do ponto de vista ético, a utilização de IA na seleção embrionária levanta questões que devem ser cuidadosamente consideradas. Embora a IA possa fornecer informações valiosas, a palavra final sobre o destino dos embriões e a condução dos tratamentos permanecem uma responsabilidade humana, com total respeito pelos desejos e valores dos casais envolvidos. A tecnologia deve servir para apoiar, e não substituir, o discernimento ético e a empatia que são essenciais na medicina.

Em suma, acredito que a IA tem o potencial de transformar profundamente o campo da medicina da reprodução. Mas para que esta transformação seja verdadeiramente benéfica, é necessário garantir que a tecnologia seja utilizada de forma ética, responsável e com um respeito inabalável pelo papel central dos humanos na tomada de decisões clínicas. O futuro da medicina, impulsionado pela IA, promete ser mais eficiente e fundamentado, mas é crucial que continue a ser guiado pela sabedoria e compaixão humana.