De acordo com a Portugal com ACNUR, mais de 23 milhões de pessoas refugiadas vivem numa situação de deslocação forçada há 5 anos ou mais, e estima-se que, entre 2018 e 2022, tenham nascido em média 385 mil crianças por ano já na situação de refugiadas. A agência humanitária quer alertar para esta realidade através da sua nova campanha de sensibilização e angariação de fundos, “Não é uma fase, é uma vida”.

Para 67% das pessoas que são obrigadas a fugir das suas casas e das vidas que construíram, vítimas de violência, conflitos, perseguição, violações de direitos humanos e/ou dos efeitos das alterações climáticas, ser deslocado não é uma situação passageira, mas sim duradoura, que se pode prolongar por décadas ou até mesmo gerações completas. Mais de 23 milhões de pessoas refugiadas no mundo inteiro vivem atualmente numa situação de deslocação forçada há 5 ou mais anos. Algumas das situações mais preocupantes situam-se no Afeganistão, Síria, Sudão do Sul, Mianmar, Somália, Sudão, República Democrática do Congo, Burundi, Eritreia e República Centro-Africana.

Uma realidade para a qual a Portugal com ACNUR, parceiro nacional da Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR), quer chamar a atenção com a sua nova campanha “Não é uma fase, é uma vida”“É um apelo à consciência sobre a realidade destes mais de 23 milhões de pessoas refugiadas”, começa por explicar Joana Feliciano, responsável de Marketing e Comunicação da Organização. “Damos-lhes um rosto com a história do Ivan, que é baseada em factos reais, e usamos esta campanha como um eco dos muitos desafios que enfrentam: nove Natais de temporariedade, longe dos pais, filhos e da sua casa originária”, acrescenta.

As crianças são precisamente das gerações mais afetadas por esta situação prolongada de deslocação forçada. De acordo com o ACNUR, só entre 2018 e 2022, foram contabilizados 1,9 milhões de crianças nascidas com o estatuto de refugiadas e, em média, nasceram anualmente 385 mil crianças já nesta situação. É o caso de Abbas Balkhi, um refugiado afegão de 31 anos cuja família fugiu para o Irão há 37 anos, país onde nasceu e vive desde sempre como refugiado.

Mesmo não nascendo como refugiadas, existem crianças que são obrigadas a fugir ainda pequenas e acabam a viver toda a sua infância e adolescência neste contexto, como Naamat, uma menina refugiada de 11 anos cuja família fugiu de Homs, na Síria, para a Jordânia há 7 anos. “Eu tenho 11 anos, mas sinto-me como se tivesse 100”, conta a menina que foi forçada a fugir do seu país com apenas 4 anos e cujas primeiras memórias são moldadas pela guerra. “Perdi parte da minha infância, mas encontrei o resto na educação e na vontade de construir um futuro para mim. Não, não vou desesperar”, afirma Naamat com um tom determinado.

Com os constantes novos recordes do número total de pessoas forçadas a fugir – os dados mais recentes já reportavam 114 milhões de pessoas – e o agravar dos conflitos mundiais, é expectável que sejam cada vez mais as crianças na situação do Abbas ou da Naamat. No final de 2022, já se contabilizavam mais 7,1 milhões de pessoas nesta situação de deslocação prolongada do que no ano anterior e, apenas durante o primeiro semestre deste ano, somaram-se mais meio milhão de pessoas.

A Agência da ONU para os Refugiados aponta também para a existência de 59 situações de deslocação forçada prolongada – definição utilizada para situações em que mais de 25 mil refugiados do mesmo país de origem estiveram exilados num determinado país de acolhimento de baixo ou médio rendimento durante pelo menos cinco anos consecutivos – distribuídas por 37 países de acolhimento. Enquanto algumas destas são recentes, como a dos refugiados venezuelanos na Colômbia, os refugiados congoleses no Quénia ou os refugiados somalis no Uganda, outras prolongam-se há já várias décadas, nomeadamente a dos refugiados somalis no Quénia e a dos refugiados afegãos, uma das maiores e mais prolongadas situações de deslocação sob o mandato do ACNUR e que originou já três gerações de crianças afegãs nascidas no exílio.

Campanha “Não é uma fase, é uma vida” quer ajudar o ACNUR a promover soluções a longo prazo

Os refugiados encurralados nestas situações enfrentam frequentemente desafios acrescidos em matéria de proteção e de restrições aos seus direitos básicos. Podem ser privados da liberdade de circulação, de um emprego legal, do acesso à propriedade e aos sistemas de justiça. No caso das crianças, veem-se muitas vezes impedidas de frequentar a escola, sendo o seu acesso à educação limitado ou até mesmo nulo. Esta falta de oportunidades económicas pode obrigar as famílias deslocadas a recorrer a mecanismos de sobrevivência perigosos, com as mulheres e as crianças a serem particularmente vulneráveis ao casamento precoce, ao trabalho infantil e ao tráfico sexual.

É, por isso, essencial para o ACNUR e os seus parceiros nacionais garantir que são encontradas soluções duradouras para estas pessoas, que lhes permitam reconstruir as suas vidas com dignidade. A responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR explica que, no caso das situações prolongadas, o trabalho do ACNUR “vai além da resposta de emergência para garantir que as pessoas deslocadas são protegidas e respeitadas em todas as fases do seu exílio. O que inclui operações que vão desde o reforço dos abrigos e das infraestruturas locais à melhoria dos serviços básicos – como água, saúde e educação -, realização de programas de formação de competências, aumento das oportunidades de subsistência e promoção da integração nas comunidades locais”.

Para isso a solidariedade de pessoas e empresas é essencial. “Esta solidariedade que nasce da sinergia entre vários atores da sociedade reforça e permite-nos garantir a continuidade da resposta humanitária que é vital no terreno”, afirma a Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR, terminando com um forte apelo a quem puder contribuir para estas emergências: “Apelamos a todos que se unam a esta campanha para que juntos possamos continuar a ser a força que impulsiona a esperança e reconstrói vidas”.

Subfinanciamento das emergências é a principal ameaça à intervenção do ACNUR

O contexto mundial exige uma urgência e necessidade cada vez maiores das intervenções do ACNUR. No entanto, estamos perante crises que duram cada vez mais tempo e é necessário concentrar a atenção em soluções a longo prazo, reconhecer que as situações de emergência são mais prolongadas e complexas, pelo que a assistência prestada deve adaptar-se. Todos estes fatores estão a colocar o sistema de proteção das pessoas que foram forçadas a fugir do ACNUR sob uma pressão sem precedentes. As necessidades de financiamento estão a superar em larga escala os valores dos últimos anos, mas o apoio que chega à Agência da ONU para os Refugiados não está a acompanhar esta tendência, o que coloca as respostas de emergência da Organização numa situação muito complexa.

Com emergências subfinanciadas, o trabalho do ACNUR no terreno fica posto em causa e as implicações para as populações são devastadoras, já que em muitos países representa uma ameaça contínua à vida, à dignidade e à esperança de prestar a mais elementar assistência e proteção. “Os fundos são limitados, particularmente se considerarmos todas as emergências humanitárias que existem no mundo, a sua durabilidade e complexidade”, declara Joana Feliciano, afirmando ainda que “os agentes humanitários estão a fazer o melhor que podem, mas com recursos extremamente insuficientes para assistir, proteger e capacitar as pessoas deslocadas à força. A realidade do mundo atual é que há mais necessidades humanitárias do que recursos humanitários disponíveis”.

Na ausência de um reforço do financiamento para dar resposta a estas crescentes necessidades humanitárias, a Portugal com ACNUR apresenta um retrato dramático da situação: “com uma redução prevista de mil milhões de dólares de financiamento, o ACNUR terá de tomar decisões impossíveis com consequências terríveis”. Por isso, “qualquer contributo que nos chegue hoje pode fazer uma grande diferença que salvará as vidas de milhões de pessoas que vivem em condições vulneráveis”, conclui.