Verifica-se, na prática clínica diária, que as técnicas usadas dentro da área a que se convencionou chamar de Medicina Integrativa têm um resultado muito interessante do ponto de vista terapêutico e que a comunidade médica, de uma forma global, tem um profundo desconhecimento do tema.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Ana Moreira

 

Toda a nossa tradição médica é baseada na tradição Hipocrática do pensamento médico. Os 4 princípios do método Hipocrático resumem-se a “observar, estudar o doente e não a doença, avaliar honestamente e ajudar a natureza”. A visão integradora de Hipócrates permeia toda a sua obra.

“(…) Medicina”, disse Hipócrates, “é libertar completamente os doentes dos seus sofrimentos ou amortecer a violência das doenças, e não tratar dos doentes que se encontram vencidos pelas doenças”.

A Medicina Convencional deriva da Escola Knidos (mais “tradicional”), com maior interesse no caráter “local” da doença e concentrada na “doença” e não no paciente.  A Medicina Integrativa deriva da Escola de Kós (maior abertura a novas ideias), com maior interesse no caráter “geral” da doença e concentrada no “paciente” em vez da doença, com uma grande atenção à avaliação dos achados físicos.

A partir do momento em que a tecnologia começou a invadir os “curricula” médicos, começou a prestar-se menos atenção ao paciente. Menos tempo para a relação médico-paciente converge em resultados terapêuticos menores e erros médicos catastróficos. Deste modo, a partir dos anos 70, a OMS sugeriu que se deveriam introduzir as técnicas integrativas nos sistemas públicos de saúde.

Já falávamos em Medicina Integrativa no século passado! Em 1962, nos debates parlamentares da Assembleia da República Portuguesa, já se falava em Medicina Integrativa, referindo que “o médico moderno, na sua prática clínica, terá de executar atos variados – preventivos, curativos e sociais – mas todos convergentes para a prática de uma Medicina Integrativa”.

A Medicina Integrativa representa a evolução do pensamento médico e é um reflexo na área da saúde de expansão de consciência do ser humano no processo evolutivo atual.

DEFINIÇÃO DE MEDICINA INTEGRATIVA

Autores americanos opinam que a terminologia se deveria manter em “Medicina Complementar”. Já na Europa, vemos este tema muito mais como uma integração de conhecimentos médicos, cientificamente provados e uma área que se denominou Medicina Mente-Corpo – que inclui várias áreas de saber, nomeadamente Psico-Neuro-Imuno-Endocrino-Cardiologia.

O National Center for Complementary and Integrative Health (NCCIH), dos Estados Unidos, entende que “Medicina Integrativa” é mais do que a soma da Medicina Convencional com a Medicina Complementar.

A Medicina Integrativa é uma área de saber complementar à Medicina Convencional ou “Tradicional”, ocupando-se da prevenção e tratamento de patologias de forma integral e integrada, partindo de uma visão holística da vida do Ser Humano; considerando  as várias dimensões do ser humano e o equilíbrio entre a mente, as emoções, o corpo físico e o ambiente que nos rodeia; e dando maior ênfase, de uma forma global, à saúde do indivíduo na sua globalidade, do que à doença orgânica.

Há muitas definições de “saúde integrativa”, mas todas envolvem conjugar/integrar técnicas convencionais com complementares de uma maneira coordenada. Integração significa ato ou efeito de integrar(-se), inclusão de novo(s) elemento(s) num conjunto, formando um todo.

Segundo Stuggart (2016), a “Saúde Integrativa e Medicina surge como um movimento que se concentra na pessoa como um todo, considerando o indivíduo no seu contexto físico, psicológico, espiritual, social e ambiental.

Todas as abordagens terapêuticas e disciplinas de saúde apropriadas são usadas para obter um melhor estado de saúde para o paciente, enquanto se reconhece e respeita a contribuição única de vários sistemas médicos. A saúde e a medicina integrativa afirmam a importância da relação profissional de saúde-paciente, a participação ativa dos pacientes neste processo e enfatizam a colaboração interprofissional, de sistemas de redes e de equipas multidisciplinares.

Em 2017, o consórcio americano para a Saúde e Medicina Integrativa esclareceu que a “medicina integrativa reafirma a importância da relação entre profissional e paciente, focalizando a pessoa como um todo. Está validada por evidências científicas e faz uso de todas as abordagens terapêuticas e de estilo de vida adequados, de profissionais de saúde e de interdisciplinaridade, para melhorar a saúde” a determinado paciente.

Tendo em conta as 17 metas de desenvolvimento sustentável descritos pelas Nações Unidas em 2017, no Congresso Mundial de Medicina e Saúde Integrativa, em Berlim, foi assinado o “Acordo de Berlim: autorresponsabilidade e ação social na prática e promoção da medicina integrativa e da saúde globalmente” – aqui, reconhecendo-se que os desequilíbrios nas estruturas sociais, ambientais, económicas e políticas são influências major na saúde dos cidadãos, procuram-se soluções para as comunidades, nomeadamente na melhoria das interrelações entre os domínios relacionados com a saúde, fora do sistema de saúde, no valor dos indivíduos, grupos e comunidades e o valor da própria pessoa.

Investigadores norte-americanos estão presentemente a analisar os benefícios potenciais da Medicina Integrativa numa variedade de situações, nomeadamente no alívio de dor crónica em veteranos de guerra, alívio da dor em pacientes com cancro e programas de promoção de estilos de vida saudáveis.

PORQUÊ A ESCOLHA DESTE TEMA

A Medicina lucrou imensamente com os avanços científicos que o modelo biomédico permitiu, mas o sistema hiperracional da ciência alemã criou um desequilíbrio na arte e na ciência da medicina. Ao fim de um século, passou a haver uma insatisfação dos pacientes, e até de muitos profissionais médicos, com esta abordagem biomédica.

A medicina científica deve vincular-se a uma ética profissional de cuidado que está em vigor no nosso juramento. É necessário realinhar o comprometimento profissional do médico com uma revisão da educação médica para alcançar esse objetivo.

Desde há algumas décadas que este mesmo modelo biomédico tem gerado insatisfação na população geral, pela sua dicotomia do cuidado e superespecialização. Com as mudanças sociais, há “por todo o mundo” uma alteração cultural à forma como as pessoas consideram ou procuram os cuidados de saúde.

As revisões na educação médica reafirmam a eminência legítima da componente de serviço da medicina – a peça central da relação médico-paciente.

Tradicionalmente, o conceito de doença estrutura o campo da medicina e a prática clínica do médico. Um sistema de saúde que se fixa na patologia em vez da saúde não é justificável eticamente, nem razoável e força os médicos a “esperar” até que os pacientes tenham sinais ou sintomas das doenças.

Cinquenta por cento dos adultos tem, pelo menos, uma condição crónica de saúde e 25% dos adultos têm duas ou mais condições crónicas de saúde. Cada ano, morrem milhões de pessoas de “causas preveníveis”.

Para controlar estes fatores de risco, precisamos de profissionais médicos e não médicos cuja abordagem de educação seja a de autogestão centrada na pessoa. Numa amostra de pacientes crónicos, estes desejam maior presença e apoio individualizado dos profissionais de saúde.

As consultas de Cuidados Primários são agendadas para 15 minutos, independentemente da complexidade situacional que um paciente possa apresentar. O tempo adicional que o médico usa nas consultas de Medicina Integrativa é um elemento crucial para a satisfação positiva relacionada à atenção centrada e ao tratamento do paciente; como corroborado em inúmeros artigos, a satisfação do paciente está altamente correlacionada com a duração da consulta médica.

Então, parece oportuno repensar a atual abordagem das doenças crónicas. É importante que os profissionais de saúde percebam as necessidades de apoio em doentes crónicos, tanto das redes formais quanto informais, no que se refere à gestão da sua doença. A educação especializada de profissionais de saúde deve capturar a complexa dinâmica subjacente que influencia a gestão da doença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Medicina Integrativa é praticar Medicina de maneira a incorporar seletivamente a medicina complementar nos planos de tratamento médicos, concomitantemente com métodos de diagnóstico e tratamento.

Não é um simples sinónimo de medicina complementar, tem um significado mais abrangente. O foco é mais na saúde e na cura/melhoria como um todo, do que na doença e no tratamento.

Medicina Integrativa não é medicina alternativa. Não temos de colocar os pacientes perante a escolha entre a Medicina Integrativa e a Medicina “Convencional”. É uma abordagem médica. É Medicina!

 

Princípios da Medicina Integrativa

Princípios definitivos da Medicina Integrativa, segundo Weil et al:

  • Paciente e profissional são parceiros no processo de cura.
  • Todos os fatores que influenciam a saúde, bem-estar e doença são levados em consideração, incluindo mente, espírito e comunidade, bem como o corpo.
  • O uso apropriado de métodos convencionais e alternativos facilita a resposta de cura inata do corpo.
  • Intervenções eficazes, naturais e menos invasivas, devem ser usadas sempre que possível.
  • A Medicina Integrativa não rejeita a Medicina Convencional nem aceita terapias alternativas sem crítica.
  • O bom “remédio” é baseado em boa ciência. É orientado pela investigação e aberto a novos paradigmas.
  • Juntamente com o conceito de tratamento, os conceitos mais amplos de promoção da saúde e prevenção de doenças são primordiais.
  • Praticantes da Medicina Integrativa devem exemplificar os seus princípios e comprometer-se com a autoexploração e o autodesenvolvimento.

Clarifica-se assim a importância da relação terapêutica, a abordagem do paciente como um todo, a orientação para a “cura/melhoria” e a participação ativa do paciente no tratamento.

A Medicina Integrativa pode ser entendida como a “combinação” da Medicina Convencional com a Medicina Complementar, com base em evidências científicas e com a finalidade de oferecer maior variedade de opções terapêuticas aos pacientes.

  

Evidências científicas da Medicina Integrativa

Existem diversos jornais científicos e livros de Medicina Integrativa. Há Universidades com centros de investigação de Medicina Integrativa, e hospitais que já integram departamentos de Medicina Integrativa.

Já faz parte de muitos programas de ensino pré-graduado e pós-graduado em diversas universidades, por todo o mundo. E existem Sociedades Médicas de Medicina Integrativa na Europa, América, Ásia e Oceânia, assim como congressos médicos de Medicina Integrativa.

Artigo publicado na edição de junho 2020 (nº 306)